domingo, 31 de janeiro de 2010

Viver é muito perigoso
MEMBRO DE ASSOCIAÇÃO PRÓ-EUTANÁSIA, O MÉDICO FRANCÊS BERNARD SENET CONTA COMO AJUDOU PACIENTES A MORREREM

AGATHE LOGEART

O médico Bernard Senet, 59 anos, é clínico-geral em Velleron, uma aldeia de 3.000 habitantes perto de Avignon [sul da França]. Defensor da eutanásia voluntária, diz que estava disposto a dar à doente Chantal Sébire os meios de pôr fim à vida. Nesta entrevista ele conta por quê.

PERGUNTA - O sr. é o médico que propôs ajudar Chantal Sébire a morrer, dando-lhe o produto necessário e assistindo-a até a morte. Ela não era sua paciente e o sr. não a conhecia. Por que essa atitude?
BERNARD SENET - Há um ano, eu havia assinado um manifesto público de 2.000 médicos e cuidadores que reivindicavam o fato de ter ajudado pacientes a morrer. Os principais candidatos à eleição presidencial haviam se pronunciado a favor de uma evolução da lei. Mas nada aconteceu.
O direito a morrer com dignidade é para mim, clínico-geral há mais de 30 anos, um compromisso essencial, militante. Eu já ajudei pacientes a morrer e ainda o faço.
Depois que vários médicos se recusaram a ajudá-la, depois de compreender que nem sequer lhe diriam como conseguir os produtos necessários, Chantal Sébire dirigiu-se à Associação pelo Direito de Morrer com Dignidade: compreendeu que havia um combate a travar e decidiu pôr fim a sua vida a serviço desse combate, da causa da eutanásia voluntária.
Como o médico que acompanhara a paciente durante toda a sua doença se recusava a associar-se a esse procedimento, aceitei que meu nome aparecesse no pedido feito ao tribunal de Dijon para obter o direito a uma eutanásia ativa.
Eu não a teria praticado sem a autorização da Justiça. Havíamos pensado que ela aceitaria nosso pedido, mas isso não aconteceu. E Sébire morreu sem nossa ajuda.

PERGUNTA - Mas o sr. não conhecia essa pessoa?
SENET - Não. Mas conversamos duas vezes por telefone. Na primeira vez, no dia seguinte à homologação do pedido, falamos longamente. Ela sabia por onde estava andando.
Explicou-me sua doença, sabia que corria o risco de morrer em pouco tempo, fosse por hemorragia ou por hipertensão intracraniana. Ela já tinha perdido o olfato, o paladar, a visão.
Sofria terrivelmente. Era intolerante à morfina. Os outros medicamentos que lhe prescreveram para acalmar as dores não eram suficientemente eficazes e a faziam dormir, o que ela não suportava.
Ela me disse que estava contente por eu aceitar ajudá-la. Depois me falou sobre sua filha de 12 anos, que, ao que parece, era uma de suas maiores preocupações. Ela não queria de modo nenhum impor à menina a visão de uma morte violenta, como é o caso de uma hemorragia. Dizia querer que a ajudássemos a morrer em condições de tranqüilidade, como as definimos na ADMD.
Assim que entramos em acordo, foi preciso que eu conseguisse o produto, Pentothal [barbitúrico], em quantidade significativa, sim, mas isso não foi muito complicado. E depois eu iria encontrá-la.
Falei com ela rapidamente uma segunda vez, alguns dias depois. Estava muito mal. Sangrava muito. Sentia que a doença se agravava rapidamente.
Estava muito cansada, muito deprimida e cada vez mais preocupada com sua filha, com a dificuldade em que se encontrava para lhe explicar que havia decidido partir. O julgamento seria no dia seguinte.
Mas a Justiça recusou seu pedido. E Chantal Sébire partiu de outra maneira.

PERGUNTA - Se é um ato que o sr. costuma praticar na clandestinidade, por que dessa vez procurou a Justiça e respeitou sua decisão?
SENET - Durante minha vida de médico, pratiquei a eutanásia ativa uma ou duas vezes por ano. Mas sempre com pacientes que acompanhei ao longo de toda a sua história. Lembro-me muito bem da primeira vez.
Era uma menina de 12 anos, vítima de uma forma muito rara de câncer. Por dois anos, com uma coragem incrível, cercada de seus pais, lutou contra a doença. Aos 14 anos me disse que não agüentava mais e que desejava partir. Eu a ajudei.
O caso de Chantal Sébire é muito diferente. Para ela, mas também para mim, era um ato de militância. A ADMD e eu decidimos não infringir a decisão do tribunal. Por temermos uma epidemia de pedidos, mas também porque o objetivo da associação não é ajudar as pessoas fora da lei, e sim fazer com que a lei seja modificada.

PERGUNTA - Mas Chantal Sébire não morreu da doença, como parecem confirmar os primeiros elementos da autópsia.
SENET - Se ela se suicidou, tinha esse direito e todos os motivos para fazê-lo. Criminalizar os que ajudaram Chantal Sébire a se suicidar, seja quem for, não é evidentemente o melhor caminho. Mas é evidentemente uma opção política, e é preocupante.
Com a autópsia que foi decidida, impõe-se um sofrimento suplementar e inútil à família, que já sofreu tanto...
Se o inquérito permitir descobrir a identidade dos que ajudaram Chantal Sébire a morrer, serão estigmatizadas pessoas que tentam ajudar outras que pedem socorro no fim da vida. No fundo, isso mostra apenas que, apesar da importância do debate que hoje sacode a França, estamos vivendo um verdadeiro retrocesso.
Ao contrário do aborto, quando as mulheres se levantaram para dizer que tinham abortado e conseguiram fazer mudar a lei, para a interrupção voluntária da vida quem irá se levantar? Os moribundos? Se não quiseram escutar Chantal Sébire, quem vai nos escutar?

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