domingo, 31 de janeiro de 2010

MORTE ADENTRO

Débora Diniz, que leciona bioética na UnB, diz que apressar morte é um direito individual do paciente

Para professora, eutanásia é solidariedade
DA SUCURSAL DO RIO

A eutanásia, além de ser um direito individual do paciente, pode ser encarado como um gesto de solidariedade do médico.
Essa é a opinião da antropóloga Débora Diniz, 34, professora de bioética da UnB (Universidade de Brasília).
Na avaliação dela, durante todo o ciclo da vida estamos "medicalizando" a morte, mas há momentos em que há um exagero nessa "medicalização".
A seguir, trechos de sua entrevista à Folha. (ANTÔNIO GOIS)

Folha - A senhora defende o direito individual à morte, como em casos de eutanásia, e ao aborto, como no caso de fetos sem cérebro. Como tem sido a reação a propostas tão polêmicas?
Débora Diniz - Sou a favor da expansão das liberdades individuais. No campo do aborto, sob a perspectiva dos direitos individuais, alguns defendem a existência de um choque de interesses entre a autonomia reprodutiva das mulheres e um direito inalienável do feto à vida.
No caso da eutanásia, esse suposto conflito de interesses inexiste, uma vez que a decisão sobre a morte é um ato estritamente individual.


Folha - Mas a senhora não acha que existiria um conflito, pelo menos ético, a respeito da responsabilidade do médico? Muitos profissionais podem argumentar que juraram lutar sempre pela vida.
Diniz - Esse conflito ético realmente pode existir, mas a eutanásia, em casos em que a pessoa está sofrendo e não há chance de reversão do quadro, pode ser encarada também como um gesto de solidariedade do médico com seu paciente.
É óbvio que ninguém está defendendo que um médico ou enfermeiro, por sua própria vontade, desligue os aparelhos de um paciente sem consultá-lo ou discutir o assunto com a família. Isso é homicídio.


Folha - Na sua opinião, por que para as pessoas é tão difícil falar da morte?
Diniz - Porque esse é um tema tabu. O que acontece é que o termo eutanásia é carregado de forte conotação negativa, como algo que lembra práticas nazistas. Mas em qualquer UTI do Brasil esse é um tema discutido em outros termos. Fala-se em deixar a vida seguir seu curso ou a morte correr naturalmente.
Quando pensamos a eutanásia dentro de um contexto de liberdade, essa é uma decisão sobre seu próprio corpo. Não estamos falando jamais de práticas de extermínio indesejado.
A discussão deve se pautar sobre pessoas capazes de ponderar sobre sua própria existência, mas há uma tendência a se pensar sempre questões como as do aborto e da eutanásia como uma relação em que um é o assassino e o outro é a vítima indefesa.


Folha - Jovens com depressão podem querer se suicidar, mas muitos se arrependem de ter cogitado isso depois de superada essa fase. Como lidar com a eutanásia nesses casos?
Diniz - Um jovem que está em tratamento de depressão e uma pessoa vivendo em estágio irreversivelmente vegetativo são casos diferentes.
Do ponto de vista moral, é mais fácil começar esse debate a partir de casos em que a morte é inevitável. A religião católica, por exemplo, consegue enfrentar melhor o debate da eutanásia passiva do que o do aborto, já que, nesse primeiro caso, há a idéia de que estamos lutando contra um curso já predeterminado por Deus.
Mas isso não pode ser aplicado indiscriminadamente. Se formos levar ao pé da letra esse argumento de que devemos deixar a vida seguir seu curso, morreríamos todos na primeira pneumonia. Estamos, o tempo todo, medicalizando a morte, mas em determinados momentos há um exagero dessa medicalização.


Folha - E como lidar com o arrependimento depois?
Diniz - O arrependimento só é possível depois de ter vivido uma situação. É preciso experimentar para conhecer nossas reações. Pode haver o arrependimento tanto por ter obrigado alguém a ficar vivo quanto por ter deixado morrer. As pessoas se arrependem quando cometem atos que consideram imorais, mas não há uma regra sobre o que seja moral ou imoral em todos os casos. Por isso, essa é uma decisão que cabe a cada pessoa, e não ao Estado.

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