sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Sindrome nefrótica

http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0370-41062006000300011

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014


Para além do populismo

Alberto Aggio - Dezembro 2014
 
 

“Há um fantasma que assombra a América Latina: esse fantasma é o populismo.” Com essa imagem Ernesto Laclau dá tintas dramáticas a seu A Razão Populista, ao sintetizar suas reflexões a respeito do que caracteriza os governos chamados de populistas na América Latina do nosso tempo. A menção ao “fantasma do populismo” reporta-se a uma temerária e anômala presença que, há algumas décadas, se imaginava definitivamente afastada do continente.
Desde o pós-guerra, no século passado, uma marca pejorativa acompanha o populismo. Ele seria o “outro” repugnante, uma manifestação aberrante e anormal, uma síndrome, um espectro ou mesmo uma recorrente “tentação” que acompanha os atores políticos latino-americanos como via para alcançar e manter-se no poder. A paráfrase de Marx é imediatamente reconhecível e se pode deduzir que Laclau pensa em reservar ao “populismo atual” um lugar idêntico ou semelhante ao que Marx imaginava para o comunismo na Europa dos idos de 1848.
Diferentemente das expectativas de Laclau, o populismo do século 21, pelo menos até o momento, não parece provocar as grandes esperanças que o comunismo haveria de provocar no seu tempo, muito depois da célebre frase de Marx. Nos países onde opera, ao contrário, exibe alguns módicos avanços sociais, baseados principalmente na ampliação do consumo, apresenta extremas dificuldades econômicas, com a exceção parcial da Bolívia de Evo Morales, e em quase todos expressa inclinações antidemocráticas preocupantes.
Para além dessas questões, as diferenciações entre esses governos levam a uma pergunta inevitável: ainda é possível ou produtivo mobilizar o conceito de populismo para pensar a América Latina de hoje? A pergunta tem sentido porque o populismo é reconhecidamente um conceito problemático, por suas ambiguidade, imprecisão, vagueza, generalização, elasticidade, subjetividade, etc.
O populismo emergiu num cenário de crise do liberalismo e de ascensão de massas, na América Latina e no mundo. Buscava a construção de uma sociedade industrial e moderna, politicamente orientada pelo Estado, incorporando as massas à cidadania pela via dos direitos sociais. Realizou uma “fuga para a frente”, cujo objetivo era realizar transformações sem rupturas violentas, evitando o que havia ocorrido nos processos capitalistas e socialistas de industrialização retardatária.
O populismo interditou a via de passagem “clássica” para a modernidade, caracterizada pela integração autônoma das classes populares às estruturas políticas da democracia liberal. Ao invés disso, conectou desenvolvimento econômico e espaços institucionalizados de integração político-social de massas, reservando ao Estado um papel central. Essa “história sem síntese” foi vista como a principal razão de a sociedade latino-americana expressar claros limites para vivenciar a modernidade. Mais do que um conceito, o populismo passou a ser, portanto, uma teoria explicativa a respeito dos descaminhos da modernidade latino-americana.
A trajetória do populismo no século 20 foi, em certo sentido, democratizadora, ainda que, em geral, avessa ao constitucionalismo e ao liberalismo. Foi marcada pela incompletude de um Estado de bem-estar social limitado, de um programa nacionalista que estatizava apenas alguns setores da economia, de uma legislação trabalhista e corporativista que organizava as classes populares e, ao mesmo tempo, lhes retirava a autonomia. Entretanto, o grau de coesão foi tão marcante que tais características foram, em geral, mantidas por aqueles que romperam com o populismo e assumiram o poder em aliança com os militares.
A luta política contra os regimes autoritários deslocou o populismo do centro da política latino-americana, recusou a centralidade do Estado e promoveu a autonomia da sociedade civil em sua dinâmica de expansão da cidadania. No plano mundial, as mudanças alteraram as relações entre política e mercados, afetando todos os governos. Tudo isso parecia enterrar definitivamente o populismo como um constructo ideológico passível de ser mobilizável apenas na “era dos Estados nacionais”, mas anacrônico no contexto de globalização.
Contudo a mesma conjuntura que viu o avanço das amplas liberdades, do pluralismo e da alternância de poder nas democracias latino-americanas recém-saídas do autoritarismo também produziu uma espécie de “revanche do populismo”, que hoje se expressa na moldura do bolivarianismo. Nela se supõe a emergência de uma forma de política na qual a relação entre governantes e governados abriria passagem para a construção de uma democracia direta e participativa, superior à democracia representativa, entendida como obsoleta e ineficiente. O populismo do século 21 busca uma identidade integral entre a instituição do “povo-sujeito” e a política, anulando a ideia de representação, bem como a noção de “governo do povo”, entendida como uma contradição em termos.
Para Laclau, a razão populista e a razão política são idênticas, o que desloca para o plano secundário a deliberação racional vigente nas democracias ocidentais. Essa radicalização contraposta à modernidade, avessa ao indivíduo e sua expressão autônoma, que dá sustentação ao populismo do século 21, é sintetizada por Félix Patzi, ex-ministro da Educação da Bolívia, como “uma espécie de autoritarismo baseado no consenso”.
O populismo dos dias que correm é visivelmente uma força regressiva no político. Nele predominam o autoritarismo, a intolerância e o antipluralismo. Onde é possível, afronta os direitos humanos, suprime as liberdades, reprime opositores, persegue juízes e jornalistas. Onde a ordem constitucional democrática é mais legitimada, a resistência é maior a esse tipo de movimento, que, em termos mais apropriados, nem deveria ser qualificado de populismo.
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Alberto Aggio é professor titular da Unesp e presidente da Fundação Astrojildo Pereira. 


Fonte: O Estado de S. Paulo, 6 dez. 2014.
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Abraão existiu?

POR RLOPES
10/12/14  12:16
Ouvir o texto
E lá vamos nós pra mais uma série aqui no blog, idolatrado leitor. Aproveitando a proximidade do lançamento de mais uma superprodução bíblica, “Êxodo – Deuses e Reis”, dirigida por Ridley Scott e com ninguém menos que Christian Bale (o Báteman!) no papel principal, acho que é bacana mostrar qual é o estado da arte da pesquisa histórica e arqueológica sobre as origens do povo de Israel.
Antes do “prato principal”, que é Moisés, o Êxodo e a conquista da Terra Prometida, bem como o suposto papel de Moisés ao escrever os primeiros livros da Bíblia, vamos recuar um pouquinho (ou um “poucão”; são vários séculos, na verdade) no tempo e tratar da historicidade do homem que seria o ancestral de todo o povo de Israel (e também dos árabes, segundo a tradição), o primeiro monoteísta, o Pai dos Fiéis: Abraão. Temos boas razões para aceitar que Abraão é um personagem histórico cuja vida, conforme relatada na Bíblia, aconteceu mais ou menos daquele jeito mesmo?
Resposta curta: não dá para saber. Mas a resposta comprida é interessante e complexa. Vamos a ela.
Só que antes, um parêntese: não estou aqui para contradizer quem, pela fé, acredita em todas as narrativas sobre Abraão que constam da Bíblia. A nossa pergunta aqui é diferente: até que ponto é possível checar essas histórias usando a investigação histórica independente, isto é, que quer apenas verificar os fatos, sem o objetivo de derrubar a fé ou de defendê-la. Beleza?
VIAJANTE DA IDADE DO BRONZE
Com base na cronologia bíblica, calcula-se que Abraão teria vivido em torno dos anos 2000 a.C. e 1800 a.C., bem no meião da Idade do Bronze. Nomes parecidos com o dele — como “Abi-ramu” foram identificados em contratos babilônicos da época, então de fato se trata de um nome típico do Oriente Próximo da época. Outro fato plausível a respeito do patriarca hebreu é que, tal como se conta a respeito dele, de fato há relatos sobre nômades da Mesopotâmia viajando entre entre o atual Iraque e o atual território israelense-palestino nessa época.
Outro pequeno detalhe a favor da historicidade do personagem é o fato de que a tradição oral de um grupo muitas vezes acaba preservando alguns fatos sobre a vida de um ancestral famoso (como ele, claro) e que os israelitas não teriam muitos motivos para inventar um antepassado que chegou à terra deles como um viajante, e não como alguém que sempre morou lá, já que isso tornaria a posse da terra por parte deles algo teoricamente mais precário. Se eles contavam essa história, é porque devia haver algum fundo de verdade nela, segundo alguns especialistas.
Bem, esse é o lado pró-historicidade de Abraão do debate. A partir de agora começam os problemas, e são muitos.
O primeiro, óbvio, é que não há nenhuma referência contemporânea direta a Abraão (ou a Isaac, ou a Jacó) fora da Bíblia. Ninguém dos povos vizinhos dos patriarcas sabia coisa alguma a respeito dele. Isso não necessariamente é um problema, óbvio — eles eram apenas chefes tribais de pouca monta, segundo diz o texto bíblico, então não tem porque os reinos poderosos da região falarem deles.
ESQUISITICES BÍBLICAS
Por incrível que pareça, é o próprio texto da Bíblia que lança mais dúvidas sobre a existência histórica de Abraão e sua família, na verdade. O motivo pode ser designado por uma única palavra: anacronismos.
Explico. Se o que se conta sobre Abraão e companhia é um relato histórico confiável e preciso, e não uma tradição lentamente modificada pela passagem do tempo, deveríamos esperar que o texto retratasse de forma correta como era o mundo do Oriente Médio por volta de 2000 a.C. Só que não é isso o que acontece nas narrativas do Gênesis.
Para citar três pontos bem fáceis de captar:
1)Tanto Abraão quanto seu filho Isaac têm relações diplomáticas, digamos, com governantes filisteus. Só que o povo filisteu só chegou à Palestina, na verdade, séculos depois da era dos patriarcas, por volta de 1200 a.C. Ooops.
2)As narrativas estão cheias de referências a caravanas de camelos (melhor dizendo, dromedários, mas camelo é o termo genérico). Só que os camelos só foram domesticados séculos depois de Abraão, mais uma vez.
3)Os textos da época patriarcal também falam do comércio de essências e especiarias, como bálsamo e mirra. Outro problema, já que esse tipo de comércio só se consolidou bem depois do ano 1000 a.C.
Esses detalhes podem parecer bobagens, mas o que eles deixam claro é que a narrativa foi escrita muito, mas muiiiito tempo depois da época de Abraão, o que obviamente solapa sua confiabilidade histórica.
Mas talvez o ponto mais importante é o fato de que os mesmíssimos incidentes da narrativa parecem se repetir diversas vezes na vida do mesmo personagem, e às vezes na vida de dois personagens diferentes. Tem o problema da esterilidade das matriarcas (Sara, Rebeca e Raquel), que segue sempre mais ou menos o mesmo padrão; tem o fato de que, mais de uma vez, Abraão visita um local com Sara, finge que a esposa é sua irmã, o rei local cobiça a mulher e quase a toma por esposa, descobrindo a verdade no último minuto (aliás, essa mesma história também acontece no caso de Isaac).
Esses detalhes não fazem muito sentido se aquilo é uma narrativa histórica, factual — quer dizer, quais são as chances de essa cena esquisita com a esposa-irmã acontecer tantas vezes do mesmo jeito? Mas faz bastante sentido se aquilo são narrativas folclóricas contadas sobre um ancestral distante e semilendário.
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E lá vamos nós pra mais uma série aqui no blog, idolatrado leitor. Aproveitando a proximidade do lançamento de mais uma superprodução bíblica, “Êxodo – Deuses e Reis”, dirigida por Ridley Scott e com ninguém menos que Christian Bale (o Báteman!) no papel principal, acho que é bacana mostrar qual é o estado da arte da pesquisa histórica e arqueológica sobre as origens do povo de Israel.
Antes do “prato principal”, que é Moisés, o Êxodo e a conquista da Terra Prometida, bem como o suposto papel de Moisés ao escrever os primeiros livros da Bíblia, vamos recuar um pouquinho (ou um “poucão”; são vários séculos, na verdade) no tempo e tratar da historicidade do homem que seria o ancestral de todo o povo de Israel (e também dos árabes, segundo a tradição), o primeiro monoteísta, o Pai dos Fiéis: Abraão. Temos boas razões para aceitar que Abraão é um personagem histórico cuja vida, conforme relatada na Bíblia, aconteceu mais ou menos daquele jeito mesmo?
Resposta curta: não dá para saber. Mas a resposta comprida é interessante e complexa. Vamos a ela.
Só que antes, um parêntese: não estou aqui para contradizer quem, pela fé, acredita em todas as narrativas sobre Abraão que constam da Bíblia. A nossa pergunta aqui é diferente: até que ponto é possível checar essas histórias usando a investigação histórica independente, isto é, que quer apenas verificar os fatos, sem o objetivo de derrubar a fé ou de defendê-la. Beleza?
VIAJANTE DA IDADE DO BRONZE
Com base na cronologia bíblica, calcula-se que Abraão teria vivido em torno dos anos 2000 a.C. e 1800 a.C., bem no meião da Idade do Bronze. Nomes parecidos com o dele — como “Abi-ramu” foram identificados em contratos babilônicos da época, então de fato se trata de um nome típico do Oriente Próximo da época. Outro fato plausível a respeito do patriarca hebreu é que, tal como se conta a respeito dele, de fato há relatos sobre nômades da Mesopotâmia viajando entre entre o atual Iraque e o atual território israelense-palestino nessa época.
Outro pequeno detalhe a favor da historicidade do personagem é o fato de que a tradição oral de um grupo muitas vezes acaba preservando alguns fatos sobre a vida de um ancestral famoso (como ele, claro) e que os israelitas não teriam muitos motivos para inventar um antepassado que chegou à terra deles como um viajante, e não como alguém que sempre morou lá, já que isso tornaria a posse da terra por parte deles algo teoricamente mais precário. Se eles contavam essa história, é porque devia haver algum fundo de verdade nela, segundo alguns especialistas.
Bem, esse é o lado pró-historicidade de Abraão do debate. A partir de agora começam os problemas, e são muitos.
O primeiro, óbvio, é que não há nenhuma referência contemporânea direta a Abraão (ou a Isaac, ou a Jacó) fora da Bíblia. Ninguém dos povos vizinhos dos patriarcas sabia coisa alguma a respeito dele. Isso não necessariamente é um problema, óbvio — eles eram apenas chefes tribais de pouca monta, segundo diz o texto bíblico, então não tem porque os reinos poderosos da região falarem deles.
ESQUISITICES BÍBLICAS
Por incrível que pareça, é o próprio texto da Bíblia que lança mais dúvidas sobre a existência histórica de Abraão e sua família, na verdade. O motivo pode ser designado por uma única palavra: anacronismos.
Explico. Se o que se conta sobre Abraão e companhia é um relato histórico confiável e preciso, e não uma tradição lentamente modificada pela passagem do tempo, deveríamos esperar que o texto retratasse de forma correta como era o mundo do Oriente Médio por volta de 2000 a.C. Só que não é isso o que acontece nas narrativas do Gênesis.
Para citar três pontos bem fáceis de captar:
1)Tanto Abraão quanto seu filho Isaac têm relações diplomáticas, digamos, com governantes filisteus. Só que o povo filisteu só chegou à Palestina, na verdade, séculos depois da era dos patriarcas, por volta de 1200 a.C. Ooops.
2)As narrativas estão cheias de referências a caravanas de camelos (melhor dizendo, dromedários, mas camelo é o termo genérico). Só que os camelos só foram domesticados séculos depois de Abraão, mais uma vez.
3)Os textos da época patriarcal também falam do comércio de essências e especiarias, como bálsamo e mirra. Outro problema, já que esse tipo de comércio só se consolidou bem depois do ano 1000 a.C.
Esses detalhes podem parecer bobagens, mas o que eles deixam claro é que a narrativa foi escrita muito, mas muiiiito tempo depois da época de Abraão, o que obviamente solapa sua confiabilidade histórica.
Mas talvez o ponto mais importante é o fato de que os mesmíssimos incidentes da narrativa parecem se repetir diversas vezes na vida do mesmo personagem, e às vezes na vida de dois personagens diferentes. Tem o problema da esterilidade das matriarcas (Sara, Rebeca e Raquel), que segue sempre mais ou menos o mesmo padrão; tem o fato de que, mais de uma vez, Abraão visita um local com Sara, finge que a esposa é sua irmã, o rei local cobiça a mulher e quase a toma por esposa, descobrindo a verdade no último minuto (aliás, essa mesma história também acontece no caso de Isaac).
Esses detalhes não fazem muito sentido se aquilo é uma narrativa histórica, factual — quer dizer, quais são as chances de essa cena esquisita com a esposa-irmã acontecer tantas vezes do mesmo jeito? Mas faz bastante sentido se aquilo são narrativas folclóricas contadas sobre um ancestral distante e semilendário.
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