quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

IMPRIMIR ENVIAR POR EMAIL COMUNICAR ERRO 26/08/2006 - 03h20
Entrevista com Philip Roth: "A velhice é um massacre"

Volker Hage
O mais recente trabalho de Philip Roth chega às livrarias alemãs este mês. Seu tema? Doença, mortalidade, morrer. SPIEGEL falou com Roth sobre por que os escritores preferem o adultério à doença e ao absurdo da morte.

DER SPIEGEL - Senhor Roth, seu novo livro, "Everyman" [O Homem Comum] empresta o título de uma alegoria anônima do século 15. O escritor austríaco Hugo von Hofmannsthal fez o mesmo, chamando
de "Jedermann" sua peça de 1912...

Philip Roth -... mas ele manteve a perspectiva cristã. E a alegoria. E é didático. O meu não é didático. Não é alegórico.

Spiegel - Então por que o senhor aproveitou o título para seu livro?

Roth - Ele não começou pelo título. No percurso eu tive vários títulos. Somente no final lembrei-me dessa peça, que havia lido na faculdade. Eu não a lia desde 1952, 54 anos atrás. Reli e achei que era o título certo. Mas não estava pensando no drama medieval quando escrevi meu livro.

Spiegel - O que o senhor pensava quando o começou? Aonde queria chegar?

Roth - Contar a história da vida de um homem através de suas doenças - através das ameaças físicas à sua vida. A linha da narrativa seria ditada pela história de suas doenças. Eu pensei em outros livros sobre doença. Você poderia imaginar que existem muitos. Não existem. Há o famoso "A Montanha Mágica" de Thomas Mann, há "A Morte de Ivan Ilyich" de Tolstói e o "Pavilhão de Cancerosos" de Soljenitsin, que é um livro maravilhoso. Além desses, existem muito poucos que eu conheça nos quais a doença é o tema central.

Spiegel - Uma observação interessante. O que o senhor acha que seus colegas temem?

Roth - Por que existem mais livros sobre adultério do que sobre
enfisema, câncer e diabetes? Não sei, mas eu não diria que é por medo.
Suspeito que eu não seja o único escritor do mundo cuja atenção se voltou para a doença. Nós sofremos muito mais doenças do que as pessoas do século 15, porque hoje, de modo geral, as pessoas são mantidas por muito tempo antes que uma doença finalmente as mate. Hoje você pode ligar para seu amigo para perguntar se seu tratamento de radiação terminou ou qual foi o resultado de sua biópsia. Todos nós sabemos muito sobre assuntos médicos hoje em dia. Isso também pode explicar como fui escrever este livro.

Spiegel - "Everyman" é bastante curto para um romance - como seu livro anterior, "O Animal Agonizante". O senhor pensa em escrever livros mais curtos no futuro?

Roth - Conforme minha energia declina, isso poderá acontecer. Eu gostei de escrever "O Animal Agonizante". E quis tentar novamente escrever um livro daquele tamanho. Você precisa ter uma história cujo impacto seja imediato, para que seja curta.

Spiegel - Mas "Everyman" começa lentamente.

Roth - Com o funeral. Então vem a infância e o início de sua educação em mortalidade, começando por suas observações do menino no leito de hospital ao lado do dele, que morre.

Spiegel - Mas embora o livro comece com seu funeral o leitor passa grande parte do livro esperando que o herói não morra. O senhor considera o fato de ele não sofrer como uma espécie de final feliz?

Roth - O que é para mim não está aqui nem ali. Eu não experimento dor ou felicidade por causa do destino do personagem. O que eu tenho de experimentar é a sensação da inevitabilidade daquele destino. Eu quero que o leitor saiba desde o início que esse homem está morto, quem são as pessoas no seu enterro e o que elas dizem sobre ele. Quando isso está definido, dou vida na história a suas crises físicas e a sua catástrofe final.

Spiegel - Por que o herói não tem nome?

Roth - Isso foi um acaso, para começar. Eu não percebi que não lhe havia dado um nome até que me sentei para ler o primeiro rascunho. Então decidi deixar assim. Que ele fosse definido por suas relações com os outros, com seu pai e sua mãe, seu irmão, suas mulheres, sua filha. Todos podemos nos sentir definidos por nossos nomes, mas na verdade o que nos define é nossa relação com a rede de pessoas que conhecemos. É isso que somos.

Spiegel - E sobre o enterro no início? Ele reflete algum em que o senhor esteve recentemente?

Roth - Eu perdi cerca de três ou quatro amigos no período de um ano. Seu amigo adoece, morre e então você vai ao enterro. Saul Bellow foi o último, e era a pessoa mais próxima de mim. Tenho olhado para dentro de tantos túmulos ultimamente, que pensei, bem, está na hora de escrever sobre isso.

Spiegel - O senhor começou a escrever no dia em que Saul Bellow foi enterrado. Como foi o enterro dele?

Roth - Havia provavelmente 120 pessoas em um pequeno cemitério numa cidade pequena de Vermont. Foi muito forte para todos. A grandeza desse homem acrescentava outra dimensão a nossas reações. Um grande homem havia morrido. Existem muito poucos grandes entre nós. Isso acrescenta um certo viés à dor.

Spiegel - Talvez se possa supor que a sentença mais citada do seu livro será - se já não for: "A velhice não é uma batalha, é um massacre".

Roth - Eu estava assistindo ao noticiário da televisão sobre as inundações em Nova Orleans enquanto eles estavam evacuando as casas de velhos - e disse em voz alta para a pessoa que estava comigo: "A velhice é um massacre". Parecia que estavam retirando pessoas de um campo de batalha.

Spiegel - Esse pensamento, e o tema, tornaram esse livro mais difícil de escrever do que os anteriores?

Roth - Não. Só foi difícil na medida em que escrever qualquer livro é difícil. Não foi difícil por causa do assunto. Foi difícil porque tive de imaginar como fazê-lo, mas essa é a dificuldade comum. O tema não causou dificuldades especiais.

Spiegel - Mas poderá causar para os leitores. O senhor escreve que nada ajuda alguém a chegar a um compromisso com o conhecimento "de que você nasceu para viver e, em vez disso, morre".

Roth - Não, nada ajuda. As pessoas fazem o possível para afastar esse conhecimento. Há os que têm o consolo de uma religião que promete que eles não morrerão. Eu não vejo como podem acreditar nisso, mas as pessoas podem acreditar em todo tipo de coisa das quais não há absolutamente qualquer evidência. A maioria dos meus amigos mais velhos diz mais ou menos o que eu digo, que pensa menos na morte hoje do que pensava quando era adolescente.

A primeira descoberta foi muito chocante. A morte parecia tão injusta. É assim que você pensa quando tem 14 anos - que é tão injusta e ridícula. Eu acho que quanto mais a morte se aproxima mais as pessoas tentam simplesmente não pensar nela. Mas há aqueles que são perseguidos por ela. Lembro-me do poeta Robert Lowell, que era 22 anos mais velho que eu. E ele me disse que depois dos 50 anos não se passa um dia sem que a morte entre em sua cabeça.

Spiegel - Mas essa não foi sua experiência?

Roth - Não. Eu só penso nela dia sim, dia não. Mas nesta idade, mesmo que você não pense, é lembrado dela por causa do desaparecimento de seus velhos amigos e todas as visitas a hospitais que você faz aos doentes e agonizantes. Um amigo está em radiação, outro está em quimioterapia. É quase um acontecimento semanal alguém ter um melanoma removido. Não era assim quando éramos jovens. Lembro de meus pais falando sobre seus amigos que estavam doentes ou morrendo, e apesar de eu já ter meus 40 anos na época não compreendia. Acho que deve haver alguma salvaguarda biológica embutida aí que não permite que as pessoas abaixo de certa idade realmente entendam que a morte acontece o tempo todo e supera tudo. Mesmo quando meus pais estavam perdendo alguns de seus melhores amigos, eu escutava. Mas não entendia tudo o que eles estavam perdendo. Hoje entendo.

PHILIP ROTH, 73, é um dos melhores autores americanos contemporâneos.
Nascido em Newark, Nova Jersey, suas obras mais famosas incluem "O Complexo de Portnoy", que foi publicado em 1969, e seus trabalhos mais recentes "Casei com um Comunista" (1998) e "A Marca Humana" (2000). Ele ganhou o Prêmio Pulitzer por seu romance de 1997 "Pastoral Americana". Seu livro mais recente, "Everyman", examina de perto a doença e a morte e foi publicado nos EUA em abril.

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