quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

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MARIA INÊS DOLCI

Saúde sem enganação
Ainda não chegou o dia em que o cidadão brasileiro poderá se tranqüilizar, na certeza de que a sua saúde e a educação de sua família estão em boas mãos. Bitributado nessas áreas, pois paga impostos, taxas e contribuições ao governo, e é obrigado a assumir contas de escolas particulares, de planos de saúde, de previdência privada, para chegar na velhice e ter um pouco mais do que o parco desembolso do INSS, o pobre do cidadão só é lembrado mesmo quando pedem seu voto.
O desabafo decorre da relação aflitiva e tumultuada vivenciada neste último ano pelos usuários de planos e seguros-saúde contratados antes de 1999. Tudo em decorrência de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que restringiu a aplicação da lei 9.656/ 98 para a solução de conflitos relativos a contratos assinados antes da lei. Até essa decisão, entendia-se que, como os contratos de planos de saúde têm longa duração e prazo indeterminado e tratam de assunto que é dever do Estado garantir, os direitos básicos introduzidos com a lei 9.656/98 deveriam se estender para os contratos antigos.
Essa decisão originou o Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos (PIAC), os reajustes com patamares nas alturas, liminares na Justiça e até o boicote dos médicos, que se sentiram desrespeitados pelas empresas.
Mais recentemente, houve a insolvência da Interclínicas sem que nada fosse feito para evitar esse problema. O que fazer frente a tudo isso? Em primeiro lugar, defendemos que se retire o véu que recobre o tema saúde.
A saúde é um direito e não pode ser mercantilizada? Então que o governo use os impostos que pagamos para oferecer a todos os brasileiros excelente atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). E que os planos de saúde sejam adquiridos pelos que desejarem um atendimento com mais conforto e privacidade.
Mas de que maneira o SUS receberia, do dia para a noite, digamos, a metade dos que têm planos de saúde? E como os atenderia, considerando que são de classe média, conhecem seus direitos e tentariam exercê-los?
Devemos dizer, ainda, que os planos de saúde são empresas privadas. E que, portanto, ou são lucrativos, ou quebram. Não adiantou criar uma falsa realidade, em que os serviços foram amplamente aumentados, com coberturas dos mais diversos procedimentos (alguns deles muito caros), com um tabelamento de preços e com coberturas referenciais defasadas em mais de uma década, o que impede que o consumidor tenha acesso a diversos avanços científicos no diagnóstico e no tratamento de doenças.
Não cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar tabelar preços desses serviços ao mesmo tempo em que amplia a cobertura de procedimentos, nivelando-os quase pelo teto. As autoridades, nesse caso, só têm três opções:
1. Assumir o atendimento, pelo SUS, de todos os brasileiros nos padrões a que os usuários de planos de saúde estão acostumados;
2. Ou reduzir os custos dessas operadoras, cortando impostos e eliminando a burocracia;
3. Ou, ainda, deixar o mercado definir quem continua e quem deixa esse segmento econômico.
Não haverá soluções mágicas. Seja qual for a escolha dos governantes e legisladores, terá de ser debatida com a sociedade.
A vantagem será a restauração da verdade na área de saúde. Caso contrário, continuaremos enfrentando essas crises.
E, em caso de falências de operadoras, o consumidor, que já paga impostos pela saúde mais o plano de saúde, poderá pagar, com a doença, a conta de uma saúde com enganação.

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