quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Bioética: novos rumos do
periódico científico do CFM








A revista Bioética, publicada pelo Conselho Federal de Medicina desde 1992, foi o periódico científico pioneiro nesse campo de estudo e pesquisa no Brasil – cuja criação ocorreu seis anos após a criação da Bioethics, a mais consolidada revista, na área, em nível mundial, publicada pela International Association of Bioethics (IAB).

Sua importância para a divulgação e consolidação da disciplina pode ser dimensionada pelo fato de que a própria Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) só foi fundada em 1995 e seu veículo editorial oficial, a Revista Brasileira de Bioética (RBB), começou a ser editado apenas em 2004.

No encontro que marca a criação da Bioética estão registradas as presenças de reconhecidos bioeticistas brasileiros, alguns dos quais ainda integram o Conselho Editorial. O apoio desses renomados pesquisadores e de outros que posteriormente vieram somar esforços para a consolidação do periódico foi fundamental para que, em 1999, a Bioética passasse a ser indexada na base de dados Lilacs. Atualmente, é classificada pela Capes como “B” nacional nas áreas de Educação Física, Enfermagem, Medicina II, Saúde Coletiva, Serviço Social e “C” nacional na Filosofia/Teologia, Medicina I e Multidisciplinar.

As centenas de artigos publicados durante os seus 15 anos de existência atestam as transformações ocorridas, refletindo o surgimento das preocupações relativas à ética social em bioética e o aprofundamento dessas questões nas práticas de saúde. Congregando colaborações de autores de diversas instituições, profissões e regiões do país e do exterior, a Bioética reflete a pluralidade do panorama que caracteriza o campo. É possível constatar em suas páginas essas perspectivas distintas, sempre respaldadas em reflexões consistentes e ponderadas.

Nesse ínterim, o periódico aprimorou, também, o seu processo editorial, adotando os critérios normativos e de apresentação propostos pela Bireme. Os dois projetos gráficos de apresentação da revista espelham tal esforço, demonstrando o empenho contínuo do CFM para consolidar a qualidade do periódico. Assim, quer por seu conteúdo exemplar quer por seu aspecto gráfico primoroso, a Bioética é, atualmente, a publicação, em seu campo, de maior reconhecimento no país, com influência em toda a América Latina.

Seu papel na consolidação da disciplina é forte incentivo para que continue a estabelecer um processo editorial pautado pela excelência. Buscando aumentar a eficiência no controle da comunicação, garantir transparência e agilidade, fomentar a credibilidade e, assim, despertar o interesse dos pesquisadores e autores, a Bioética inova mais uma vez, delineando novos rumos.

Dentre as providências para atingir esse objetivo destacam-se as voltadas ao aumento da periodicidade, que passará a ser trimestral, bem como da quantidade de artigos por número – que, pretende-se, passem de 11 para 15, perfazendo 60 trabalhos publicados anualmente. Além disso, em cada artigo passará a ser identificada a data de recebimento e aprovação, medida que reforça a transparência do processo editorial.

Essas alterações, no entanto, não implicam mudar o que está consolidado como marca de qualidade do periódico. A submissão de todos os artigos recebidos ao exame dos pares permanecerá como norma inviolável para garantir

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aos autores e à comunidade científica a qualidade do material publicado. Também será mantida a tiragem de 10.000 exemplares, que continuarão a ser gratuitamente distribuídos a médicos, entidades médicas, bibliotecas e instituições de ensino.

Da mesma maneira, o acesso eletrônico à Bioética por meio do Portal do CFM – em http://www.portalmedico.org.br/novoportal/index5.asp – continuará permitindo o acesso irrestrito ao material publicado e às normas editoriais. Por fim, o e-mail da revista – bioética@cfm.org.br – seguirá recebendo os artigos destinados à publicação, no intuito de facilitar o envio dos trabalhos.

A história da revista Bioética reproduz a trajetória da construção do conhecimento no campo da bioética. Hoje, ao se falar em bioética a primeira coisa que vem à mente são as pesquisas sobre reprodução assistida, clonagem e organismos geneticamente modificados – ou, como são mais conhecidos, transgênicos. Essas novas técnicas e tecnologias, que marcam a imaginação quase como ficção científica, são divulgadas com insistência nos meios de comunicação e associadas diretamente à bioética. Contudo, esse aspecto fantástico relacionado aos avanços da ciência não resume o que o campo discute atualmente. Incorporando a esses tópicos uma vasta gama de temáticas, associadas não apenas à recuperação da saúde, mas à qualidade de vida de diferentes grupos populacionais, a bioética vem ampliando o debate sobre os aspectos morais e éticos que envolvem o processo saúde-doença, estendendo-o da prática clínica à dimensão social.

A identificação da bioética como forma de reflexão ou instrumento de regulação dos parâmetros éticos para as ciências da vida está alicerçada no surgimento desse campo de estudo e pesquisa na década de 70. Voltado à discussão dos problemas éticos decorrentes do uso de novas tecnologias, a bioética relacionava - se, principalmente, à pesquisa envolvendo seres humanos.

Sob o marco da bioética principialista, cunhada no período, foi introduzida a prática de informar e consultar o sujeito de pesquisa sobre os procedimentos aos quais estaria submetido ao participar de um experimento. Como decorrência do fato de grande parte da pesquisa em saúde ser realizada a partir da clínica, essa prática consolidou-se também na relação médicopaciente, entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, inovando os princípios da deontologia e trazendo à tona a discussão sobre a autonomia do paciente.

Se o foco na tecnologia desenvolvida na área da saúde e, de maneira menos acentuada, no impacto ambiental decorrente do desenvolvimento ajudou a divulgar e consolidar a bioética, associando-a às novas tecnologias, acabou, também, por tornar-se uma perspectiva restrita. Tais debates passavam ao largo das situações cotidianas vivenciadas pela maioria dos profissionais de saúde, especialmente em países como o Brasil, nos quais a assistência à população ainda se revela precária. Somadas às dificuldades no acesso aos serviços, à pobreza, à exclusão e à desigualdade social fomentam o adoecimento da população, em escala maciça e de forma crônica.




Diante de tal quadro social a decisão de informar o paciente sobre as circunstâncias de seu adoecimento – descrevendo minuciosamente o diagnóstico, terapêutica e prognóstico e respeitando o seu direito de decisão sobre o assunto – não respondia a todas as necessidades éticas dos profissionais que, a cada dia, deparavam-se com verdadeiras tragédias, decorrentes da situação de vida das pessoas que atendiam. Ainda que buscassem, com rigor, preservar na clínica a autonomia dos pacientes, restava-lhes a angústia frente aos conflitos derivados daquelas condições insalubres, ante as quais muitos se sentiam impotentes ou desestimulados.

Para responder a tais impasses e formular parâmetros compatíveis com a realidade vivida pela maioria da população, bem como pelos profissionais e pesquisadores que com ela trabalham, os estudiosos da bioética voltaram seu olhar na direção da sociedade: às mazelas sociais e ambientais que causam impacto no cotidiano, roubando a saúde e aviltando a qualidade de vida. Consoante à perspectiva anteriormente traçada pela saúde pública e pela epidemiologia, começaram a ampliar a discussão sobre a ética em saúde, alargando o espectro de atuação da bioética e trazendo à baila questões morais latentes. Dentre essas, as discussões sobre a iniqüidade no acesso aos serviços de saúde, as dificuldades no provimento desses serviços em situação de escassez de recursos e, ainda, a reflexão sobre as moralidades que condicionam essas desigualdades entre os diversos grupos e segmentos da sociedade. Nesse sentido é importante destacar o papel decisivo da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, promulgada pela Unesco em 2005, que constitui marco fundamental dessa nova dimensão da bioética, pois reafirma a importância do respeito aos direitos humanos como condição essencial à saúde e cidadania dos povos.

E é exatamente para abraçar o desafio de produzir uma reflexão que ofereça respostas efetivas aos conflitos e questionamentos sobre a ética em saúde que a Bioética inicia nova etapa de trabalho. Por isso, os editores da revista, bem como seu Conselho Editorial, conclamam os médicos e demais profissionais da área a contribuir para essa discussão, enviando artigos. Ao transformar suas percepções sobre o trabalho cotidiano e o contexto no qual este se insere em reflexão bioética, ampliarão ainda mais a discussão sobre a ética em saúde.

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