segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

TENDÊNCIAS/DEBATES

Rumo às sociedades do conhecimento
KO$CHIRO MATSUURA

Será que estamos no limiar de uma nova era, a era das sociedades do conhecimento? As reviravoltas científicas do século 20 provocaram uma terceira revolução industrial, a revolução das novas tecnologias, que, essencialmente, são tecnologias intelectuais. Essa revolução deitou as bases de uma economia do conhecimento, colocando-o no cerne da atividade humana, do desenvolvimento e das transformações sociais.
No entanto, informação não é conhecimento. E a incipiente sociedade mundial da informação, que é o tema da Cúpula de Túnis (de 16 a 18 de novembro), só irá realizar seu potencial se facilitar o surgimento de sociedades do conhecimento pluralistas e participativas que, mais do que excluir, incluam.
Isso significa que no século 21 vamos assistir ao desenvolvimento de sociedades de conhecimentos compartilhados? Como destaca relatório mundial da Unesco ("Rumo às Sociedades do Conhecimento") coordenado por Jérôme Bindé e publicado com vistas à Cúpula de Túnis, nas sociedades do aprendizado, não deve haver indivíduos que são excluídos, pois o conhecimento é bem público que deve ser acessível a todos.
O conhecimento possui duas qualidades notáveis: a não rivalidade e, uma vez prescrito o período de proteção sob os direitos de propriedade intelectual, a não exclusividade. A primeira ilustra uma propriedade destacada por Jefferson: "Quem recebe uma idéia de mim, recebe instrução sem diminuir a minha instrução, assim como quem acende sua vela na minha, recebe luz sem me jogar no escuro". A segunda propriedade significa que qualquer pessoa pode fazer uso livre dos conhecimentos que integram o domínio público.
Há hoje uma consciência de que o desenvolvimento de sociedades baseadas na partilha do conhecimento constitui a melhor maneira de travar guerra efetiva contra a pobreza, de prevenir grandes ameaças à saúde e de promover um desenvolvimento humano sustentável.
Entretanto, existem cinco obstáculos que se interpõem ao advento das sociedades de conhecimento compartilhado:
1) O abismo digital: ausência de conexão significa ausência de acesso. 2 bilhões de pessoas não são conectadas à rede elétrica e três quartos da população global tem pouco ou nenhum acesso às telecomunicações básicas.
2) O abismo cognitivo.
3) A concentração de conhecimento em áreas geográficas restritas.
4) O conhecimento existe para ser compartilhado. Como alcançar o equilíbrio entre a universalidade do conhecimento e a propriedade intelectual?
5) O desenvolvimento de sociedades de conhecimento compartilhado é prejudicado hoje pelas crescentes divisões sociais, nacionais, urbanas, familiares, educacionais e culturais e pela persistente divisão de gêneros.

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Nas sociedades do aprendizado, não deve haver excluídos, pois o conhecimento é bem que deve ser acessível a todos
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Para superar esses obstáculos, os países terão que investir muito na educação, na pesquisa, no infodesenvolvimento e na promoção de sociedades de aprendizado. O que está em jogo é o destino de todos os países, pois os que não investirem suficientemente colocarão em risco seu próprio futuro. Quais são as soluções práticas propostas no relatório da Unesco? Eis exemplos:
1) Investir mais na educação de qualidade para todos.
2) Os governos, o setor privado e os parceiros sociais devem explorar a possibilidade de, no século 21, introduzir progressivamente uma "dotação por tempo de estudo" que dê aos indivíduos o direito a alguns anos de educação após o término do ensino obrigatório.
3) Ao mesmo tempo em que se aumentam investimentos em pesquisa, é preciso promover novas formas de partilha do conhecimento, como o colaboratório. Essa nova instituição virtual, que inclui laboratório e colaboração, possibilita que pesquisadores trabalhem juntos em redes que atravessam fronteiras. Devemos a essa inovação a decodificação do genoma humano.
4) Também é preciso promover a diversidade lingüística nas sociedades do conhecimento e aproveitar os conhecimentos locais e tradicionais.
Mas o Sul tem condições econômicas de sustentar sociedades do conhecimento? Não serão um luxo reservado ao Norte? É claro que poderíamos responder parafraseando Lincoln: "Se você acha que o conhecimento custa caro, experimente optar pela ignorância!". Não devemos aprender uma lição com o sucesso de tantos países do mundo?
Alguns investem maciçamente em educação e pesquisa científica há várias décadas e conseguiram reduzir a pobreza absoluta de forma substancial. Alguns já superaram muitos países ricos em termos de PIB per capita. Outros, que já figuravam entre os países avançados, fortaleceram ainda mais suas chances em nível global e, ao mesmo tempo, continuam a elevar o nível de desenvolvimento humano sustentável.
É possível afirmar que um mundo que dedica US$ 1 trilhão por ano a gastos militares não possui meios de promover sociedades do conhecimento para todos? Para fazer frente a um mundo profundamente dividido por disparidades de todos os tipos, não existe alternativa senão a partilha de conhecimentos. Diz um provérbio africano que o conhecimento é como o amor: é a única coisa que cresce quando é compartilhada.



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Koïchiro Matsuura, 68, economista e diplomata japonês, é o diretor-geral da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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