sábado, 3 de abril de 2010

01/04/2010
Angela Merkel se destaca como a chanceler guardiã dos fundamentos da União Europeia

Marion Van Renterghem

A Alemanha nos irrita. Ela é esse bom aluno que sempre levanta a mão, que está sempre certo, que vai à lousa para nos ensinar como fazer. E que, por ela mesma ter batalhado e sofrido, não tem tolerância com os preguiçosos. A Alemanha, principal potência econômica europeia, é esse país modelo que conseguiu reduzir seu próprio déficit às custas de esforços draconianos. Ela chegou a inscrever em sua Constituição o teto do déficit federal autorizado. Ela é a maior contribuinte para o orçamento europeu (20%). Paga bastante pela sua parte, e se recusa a ser a vaca leiteira da Europa.

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A Alemanha nos irrita porque ela é virtuosa. Na questão da ajuda europeia à Grécia, onde ela manteve-se firme, sozinha contra todos, na posição do rigor contra a da solidariedade, Angela Merkel se instalou sem pudor em seu papel de durona. A França e os outros, claramente menos sábios, fuzilavam-na com os olhos, sem razão.

A chanceler alemã colocou todos na linha. Para o mau aluno grego, ela observou que não se sai impunemente de anos de gastos imprudentes, de falsificação de contas e de corrupção generalizada. A seus colegas dirigentes, ela lembrou as regras que os uniam. Europeia racional, ela foi a única guardiã, ao pé da letra, dos tratados europeus. Quem pode dizer que ela está errada? De que vale uma “comunidade de destinos” sem o respeito às regras que a fundamentam?

Na cúpula da zona do euro que validou o compromisso de ajuda à Grécia, no dia 25 de março, Merkel conseguiu o que queria: não somente a entrada do Fundo Monetário Internacional (FMI) no jogo, antes dos empréstimos bilaterais dos Estados-membros, mas também um endurecimento das regras do pacto de estabilidade. Ela fez com que Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu e principal guarda da estabilidade do euro, que se pronunciou claramente contra a intervenção do FMI – uma afronta para a união monetária – admitisse estar errado. Ela enfrentou o presidente da segunda maior potência europeia, Nicolas Sarkozy. Com a exceção do consentimento a um empréstimo alemão hipotético, “como último recurso”, e algumas concessões sem valor, a chanceler não cedeu em nada.

A crise grega atua como um detonador: a revelação de uma ruptura já iniciada, mas até então mais discreta entre a Alemanha e a Europa, entre uma nova geração de chanceleres nascidos após a guerra, Gerhard Schröder, e depois Angela Merkel, e os pioneiros da reconstrução alemã, de Konrad Adenauer a Helmut Kohl. Ao contrário do mito, o muito europeu Kohl havia começado a questionar a contribuição financeira da Alemanha. Merkel, que deve ainda menos à Europa de Robert Schuman uma vez que foi criada no Leste, aos poucos se livrou dos últimos complexos.

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Na época de seu primeiro mandato, ela era a “Senhora Europa”: em 2007, ela teve um papel fundamental na retomada do Tratado de Lisboa e no encerramento das perspectivas financeiras. No início da crise mundial, no fim de 2008, ela havia se tornado “Senhora Não”, a que diz primeiro “não” e freia o motor europeu, correndo o risco de não entender a urgência de agir e de entravar o motor coletivo: “não”, em um primeiro momento, ao socorro dos bancos ou da indústria automobilística, ao plano de retomada econômica, à ajuda à Grécia.

Na imprensa alemã, agora a Senhora Europa é a “Senhora Germânia” ou “a pequena europeia”. Comparada à eurocética Margaret Thatcher, a Dama de Ferro britânica, que exigia da Europa um “reembolso”. Uma especialista em pequenos cálculos, firme quanto à adesão da Turquia, assim como quanto à ajuda financeira aos gregos. Uma tática “populista”, critica o semanário “Der Spiegel”. Bancar a Dama de Ferro da União Europeia é o coringa de uma chanceler democrata-cristã com os pés no barro, fragilizada por sua coalizão com os liberais, às vésperas de eleições cruciais na Renânia do Norte-Vestfália.

A Europa de Merkel se administra no dia-a-dia. Ela não é mais uma visão, mas sim uma ferramenta; não é mais um objetivo, mas sim o pretexto para uma postura. “Para a geração de Kohl”, resume o “Der Spiegel”, “a Europa era uma questão de guerra e paz. Para Merkel, é uma questão de custos e de utilidade”. Nada de política energética comum para manter suas relações privilegiadas com a Rússia, nada de política industrial comum, uma economia eficaz para si mesma, mas não generalizável, fundamentada sobre a exportação a seus vizinhos europeus.

Ao levar a contabilidade ao pé da letra, a chanceler se esquece de que ela também é contadora de um espírito, o “acordo de cavalheiros” entre europeus. Perante o Bundestag, ela chegou a considerar a medida extrema, a exclusão de um dos membros da zona do euro em caso de desrespeito às regras. Seria Merkel uma europeia menor? Talvez. Mas é preciso de tudo um pouco: o policial bom e o policial mau. Ao associar a rigidez alemã à indulgência francesa, a ameaça do FMI ao apoio da União, o acordo sobre a ajuda à Grécia voltou ao ponto de partida, aquele sobre o qual a Europa se fez: o eterno compromisso.

Tradução: Lana Lim

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