segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Retaliação dos EUA ao WikiLeaks ameaça liberdade de expressão na internet

Em maio de 2009, o Daily Telegraph desencadeou uma tempestade política na Inglaterra quando denunciou o abuso de despesas generalizado por parte dos membros do Parlamento. Entre as denúncias estavam: US$ 2.547 por uma casa flutuante para os patos no jardim de um legislador.

Os relatos foram baseados numa informação que vazou na forma de um disco de computador roubado que o Telegraph obteve de um funcionário público insatisfeito em troca de dinheiro, informaram na época.

Primeiro, o establishment político britânico foi quase unânime ao condenar o jornal. Falou-se em processar o Telegraph, e advogados do governo se prepararam com o Ato de Segredos Oficiais.

Eventualmente o bom senso prevaleceu e o governo recuou, percebendo que a ação legal deixaria a uma situação que já era ruim, ainda pior. Uma vez que a mensagem já havia vazado, atirar no mensageiro não fazia sentido. E o prejuízo à imagem da Inglaterra como defensora da transparência e da justiça teria sido enorme.

Vale a pena considerar o escândalo das despesas agora que o governo dos EUA está avaliando sua resposta ao vazamento ainda maior de informações secretas obtidas com a ajuda da tecnologia digital – a publicação de milhares de comunicações diplomáticas norte-americanas pelo site WikiLeaks. De acordo com relatos do The New York Times e do International Herald Tribune, sua edição global, que publicaram matérias baseadas nas informações, o Departamento de Justiça está examinando se processará Julian Assange, o fundador do WikiLeaks.

Há, é claro, algumas diferenças entre o escândalo das despesas e o que o WikiLeaks denomina “Cablegate”. As mensagens são certamente mais delicadas do que a informação que estava no disco do Telegraph – em alguns casos, sua publicação ameaça vidas, de acordo com o governo norte-americano. Mas os relatos de despesas fornecem provas imediatas mais concretas de um escândalo; os arquivos do WikiLeaks contêm muito mais comunicação do que escândalo.

Por outro lado, o suposto pagamento do Telegraph acrescenta um fator comercial à motivação do jornal ao publicar o escândalo; o Wikileaks, enquanto isso, diz que age puramente para promover a transparência.

Ainda assim, há um paralelo importante: um processo contra Assange nos EUA teria riscos significativos para os Estados Unidos. As questões envolvidas foram descritas com precisão num documento recente de política do Google, sobre os esforços do governo para impedir o livre fluxo de informação na internet.

O documento não menciona o WikiLeaks; e foi visto por muitos como uma resposta contra a política da China de filtrar a internet, depois das disputas do Google com os censores em Pequim. Mas ele contém um sumário útil dos diferentes tipos de censura praticados em todo o mundo, incluindo esta tática: “encorajar a auto-censura através de meios que incluem a vigilância e o monitoramento, ameaças de ação legal e métodos informais de intimidação.”

Isso soa bastante parecido com o que está acontecendo nos Estados Unidos nesse momento em relação ao WikiLeaks. Não é necessário que os Estados Unidos levantem um “Grande Firewall” ao estilo chinês para filtrar as críticas ao governo; se Assange for processado, os futuros informantes pensarão duas vezes antes de entrar em ação.

Isso seria um problema para o jornalismo norte-americano, e poderia ser ainda pior para as gigantes de tecnologia do país, cuja dominação global é baseada na ideia de que os valores norte-americanos estão alinhados com o espírito de abertura e liberdade de expressão que prevaleceu em geral na internet. A superioridade tecnológica não é o motivo pelo qual o Google, e não o Baidu da China, é o maior motor de busca do mundo.

Na saga do WikiLeaks, alguns comentaristas disseram que muito mais está em jogo, descrevendo o vazamento de informações, a beligerante resposta oficial e os esforços juvenis de hackers simpáticos ao WikiLeaks como os tiros iniciais de uma guerra cibernética há muito esperada.

Faz mesmo sentido para Washington responder alto? Esta é uma guerra em que a maior parte dos danos colaterais serão norte-americanos.

Nenhum comentário: