sábado, 14 de novembro de 2009

A Política da Morte do Nazismo

A Política da Morte do Nazismo

A política da eliminação em massa de pessoas, adotada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, foi um fenômeno até então único na história da humanidade. Esse crime porém foi inspirado em várias doutrinas que passavam então por ciência, como o racismo e a eugenia, que tiveram larga difusão e apoio nos países mais adiantados dos anos vinte e trinta.



As Duas Faces da Eugenia

"Seu negrume não surgiu no deserto de Gobi ou na floresta tropical da Amazônia. Originou-se no interior e no cerne da civilização européia. Os gritos dos assassinados ecoaram a pouca distância das universidades; o sadismo aconteceu a uma quadra dos teatros e dos museus (...) Em nossa época, as altas esferas da instrução, da filosofia e da expressão artística converteram-se no cenário para Belsen."George Steiner - Linguagem e Silêncio, 1958


O massacre de grande parte da população judaica da Europa perpetrado pelos nazistas entre 1941-45 ocultou o fato de que a política de extermínio adotada por aquele regime não circunscreveu-se à perseguição anti-semita. Foi muito mais ampla de que se supõe. Tratava-se de um vastíssimo plano de eugenia que englobava outros setores sociais, cujas vidas os nazistas consideravam "indignas de serem vividas" (Lebensuntwertes Leben). Mas a política nazista da eugenia tinha as suas ambigüidades. Ao mesmo tempo em que se praticava a esterilização, a eutanásia e o genocídio, por outro estimulava-se a proliferação da "raça superior", concedendo aos homens selecionados o direito de acasalar-se com várias mulheres, desde que elas fossem de origem ariana.

Quando os soldados alemães ocuparam os países vizinhos, essa prática foi estimulada para que novos seres arianos viessem ao mundo para poder substituir as baixas de guerra que a Alemanha estava sofrendo. As crianças nascidas nessas circunstâncias seriam criadas em orfanatórios especiais (Lebensborn), sob orientação e supervisão do Estado nazista. Nenhum regime político até então havia se inspirado tão fortemente no darwinismo social e numa concepção tão radicalmente biologicista - quase zoológica - como os nazistas o fizeram entre 1933-1945. Assim, a eugenia era tanto o pretexto para a eliminação dos indesejados como para a seleção dos escolhidos.

A Certeza Científica da Eugenia
A política de extermínio não foi um gesto tresloucado e impensado de um bando de fanáticos que ascendera ao poder na Alemanha em 1933. A maioria dos seus agentes (médicos, cientistas, laboratoristas, pesquisadores, antropólogos, legisladores e militantes políticos) estava firmemente convicta do rigor científico das suas ações e dos benefícios que sua adoção traria para a humanidade (ainda que no momento não fossem entendidas). Levaram à prática o que há anos era defendido por pensadores de renome, por revistas científicas e por doutores ilustres de ambos os lados do Atlântico. Todas as teorias de superioridade racial, de anti-semitismo, de seleção da espécie já encontravam-se largamente difundidas, especialmente entre as elites científicas e acadêmicas, bem antes de Adolf Hitler assumir o poder. O Führer do movimento nacional-socialista implementou o que amplos setores científicos daquela época acreditavam ser verdadeiro, firmando assim o primeiro pacto moderno entre a ciência e o crime em massa, entre a pesquisa genética e a tecnologia aplicada à morte coletiva.

O que é a eugenia
É a ciência que estuda as possibilidade de apurar a espécie humana sob o ângulo genético. Decorreu ela quase que inevitavelmente das idéias de Charles Darwin, expostas no seu consagrado livro A Origem das Espécies (On de Origin of the Species), de 1859, a mais popular exposição da teoria da evolução natural. Coube ao seu parente Francis Galton a invenção desta expressão em 1883. O cientista britânico defendia a tese de que a cultura e mesmo o conhecimento eram resultados da transmissão genética e não dos fatores ambientais (ou pelo menos esses tinham bem menos peso). No seu livro a A Hereditariedade do Gênio (Hereditary Genius), de 1869, ele arrolou o histórico familiar de uma série de homens de gênio e outros afamados cientistas para demonstrar que todos descendiam de uma feliz hereditariedade.

Galton e a Sociedade da Eugenia
Em 1907, após ter introduzido a cadeira de eugenia na Universidade de Londres, fundou a The English Eugenics Society, inspiradora da American Eugenics Society, surgida em 1926, que pregava a superioridade dos germânicos sobre os demais integrantes da raça branca.
As conclusões lógicas extraídas da tese de Galton é de que a classe dominante concentrava as melhores qualidades genéticas do que as classes trabalhadoras, fossem urbanas ou rurais. Os socialmente superiores eram os depositários do "tesouro genético" amealhado pela natureza através de séculos de aperfeiçoamento, aprimorado pela seleção natural dos mais aptos. Portanto, a natureza era sábia ao permitir que a regência da sociedade e dos governos fosse feita pelos biologicamente mais dotados.

O Social-Darwinismo
O sucesso das teses de Charles Darwin não se limitaram às ciências naturais. A teoria da evolução e da seleção natural dos mais apto incendiou também a imaginação das ciências sociais e das concepções políticas e ideológicas do seu tempo. Ideólogos de um lado como do outro, nos finais do século XIX e princípios do XX, diziam-se inspirados no autor da seleção das espécies. Enquanto que para os esquerdistas, elas, as teses de Darwin, serviam para desmistificar a religião e a existência de uma ordem hierárquica preestabelecida pelo poder divino, para os direitistas elas tiveram outra aplicação. Tornou-se o chamado social-darwinismo, para eles, um instrumento na luta contra a democracia liberal que, ao pregar o voto universal, igualizava o lobo e o cordeiro. O que não passava de um contra-senso e um atentado à natureza das coisas. E mais, como reclamou o filósofo Nietzsche, à democracia praticavam uma injustiça ao prejudicar os que naturalmente eram superiores, os mais fortes e mais aptos, pois esses eram constrangidos pelos direitos da maioria medíocre. Além disso, recomendavam eles um processo de seleção rigoroso para impedir a procriação de certos elementos nocivos, bem como estimular a multiplicação de outros, aqueles vistos como biologicamente superiores. Para tanto, visando atingir tal fim, era preciso adotar-se uma política centralizada, um dirigismo técnico que gradativamente conseguiria a purificação da raça, melhorando o bem estar geral da humanidade. Na difusão de tais doutrinas dedicaram-se Georges Vacher de Laponge, Madison Grant, Ludwig Gumplowitcz, Otto Ammon e tantos outros mais.

A Eliminação dos Desajustados
O programa social-darwinsita era amplo. Pregava a eliminação dos desajustados, o internamento forçado e a esterilização dos elementos considerados inferiores. A antropometria e a frenologia seriam as ciências auxiliares para ajudar estudar as dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas, ou da dimensão do nariz, permitindo uma verificação científica daqueles traços considerados por eles como indicadores da inferioridade ou da degenerescência biológica.

A moral cristã da tolerância e da caridade para com os fracos era rejeitada. A ética cristã impedia a imposição da política de seleção natural e terminava por prolongar o sofrimento geral da humanidade ao não aceitar a extirpação dos seus galhos estragados ou das suas raízes deformadas. O liberalismo, a democracia o socialismo - com seus discurso a favor da igualdade, fosse econômica fosse político-social - eram formas diversas de atentar contra a lei natural, que sempre atuava, queiramos ou não, pró os mais aptos e mais fortes. Injustiça social era tentar equiparar o forte ao fraco, ou como disse, em outras circunstâncias, o poeta William Blacke: "a mesma lei para o Leão e o Boi é opressão!"

O Super-Homem de Nietzsche

A filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), desde que ele se entusiasmara com a obra de Francis Galton, tornou-se a espiritualização do social-darwinismo e a principal mentora nos meios mais sofisticados da adoção da eugenia. Nietzsche, poeta e pensador alemão, acreditava que no futuro - como expôs no seu poema-manifesto Assim falou Zaratustra (Also spracht Zarathustra), de 1883-92 - o homem (que ainda na sua época era ainda crente, submisso, preso aos valores e às hierarquias tradicionais) deveria necessariamente dar lugar ao super-homem (Übermench). Esse seria um novo "animal político" destituído da moral comum (produto de séculos da ética cristã derivada da idéias do bem e do mal).

Implacável em seus objetivos, distante e altaneiro em relação aos que considera inferiores, o Übermensch era o novo legislador. Totalmente hostil à democracia, cujas leis, ele, em sua arrogância de ser superior, rejeitava, o super-homem aceitava somente as regras feitas por ele mesmo, estando muito acima da moral vulgar das multidões que o cercavam.
A morada dele, desse moderno titã, é o cume elevado das montanhas, onde o ar é rarefeito, reservados aos poucos. As demais pessoas, a gente comum, servem-lhe apenas como degraus para sua ascensão a patamares cada vez mais elevados de aperfeiçoamento e gozo estético. Nietzsche, além de desprezar a democracia, abominava o liberalismo, o socialismo, o feminismo e o cristianismo, vistos como manifestações de debilidade, como expressão de uma vontade majoritária de carneiros, de fracos e de covardes, dos inferiores (Üntermench) enfim.

Síntese das Principais Leis e Decretos da Política da Eugenia
Datas Leis e decretos Objetivos
14/jul/1933 Lei da Profilaxia dos Descendentes com Doenças Genéticas (lei de proteção da hereditariedade) Esterilização à força nos casos de debilidade mental congênita, esquizofrenia, loucura maniaco-depressiva, epilepsia hereditária e alcoolismo grave ( atingiu a 2 milhões de indivíduos)
14/jul/1933 Lei do Subsídio ao Casamento Visava estimular os casamentos "puros" e os nascimentos, subsidiando os casais que tivessem filhos adicionais
15/set/1935 Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã (leis de Nuremberg) Proibição de casamentos mistos, especialmente com judeus, bem como qualquer relacionamento sexual entre alemães e judeus. Os casamentos mistos foram declarados ilegais e os casais obrigados a se separar
1º/set/1939 Autorização para o programa de eutanásia a ser executado pelo Reichleiter Bühler e o dr. Brandt. Autorização para certos médicos para executarem o programa da morte misericordiosa a ser aplicada nos loucos, doentes incuráveis, velhos senis e menores excepcionais ( A pressão da Igreja e do clero fez com que suspendessem o programa)
1941 Lei Contra Estranhos à Comunidade (Projeto do Ministério da Justiça) Médicos decidiriam pela esterilização dos anti-sociais em comum acordo com os oficiais de justiça que fixaram as penas de morte em campo de concentração, calculados os atingidos ao redor de um milhão (lei não aplicada porque os outros ministérios não permitiram)
20/jan/1942 Conferência de Wansee, Berlim, com a participação de todos os ministérios coordenados por Heydrich da SS e SD Oficialização do programa da "solução final" (Endlösung) da questão judaica em campos de extermínio (Vernichtungslager). Estimou-se um genocídio de 10-12 milhões de judeus europeus e de 200-300 mil ciganos (o programa vitimou entre 6 a 6.200 milhões de pessoas, entre 1941-5)

A Nova Raça de Senhores
O mundo do futuro seria controlado pela nova raça de senhores (Herrenvolk) que imporia sua vontade de poder (Wille zur Macht) sobre uma massa submissa, tornada um rebanho (Herde). Dela exigiriam obediência de morte. Somente os fortes teriam "direito à vida", cujos critérios seriam estabelecidos, evidentemente, pelo super-homem. Os demais deveriam ser eliminados. Não eram dignos a ter "direito à existência". O super-homem não teria nenhuma qualidade herdada (sangue nobre por exemplo), sendo reconhecido apenas por sua personalidade de aço, por sua irrevogável determinação e pela entrega total a sua causa, fosse qual fosse a sua linhagem. A sua aristocracia era o caráter - duro, inquebrantável, insensível!

"Algum nunca chega a ficar doce, apodrece já no verão
É a covardia que o mantém dependurado no seu galho
Vive gente em demasia e por tempo demais
fica pendurada no seu galho
Possa vir a trovoada que sacuda da árvore todos esses frutos
podres e bichados!
Possam vir os pregadores da morte rápida
Seriam para mim as verdadeiras trovoadas
e os sacudidores da árvore da vida."

F. Nietzsche - Assim falou Zaratustra, 1885

Nietzsche e o Nazismo
A enorme polêmica que envolve até hoje a real importância do pensamento de Nietzsche para o surgimento do nazismo, ou pelo menos fornecendo-lhe o vocabulário estridente e várias expressões ideológicas, nos obriga a arrolar a evidente similitude do pensamento nietzscheano com o que veio a acontecer depois na Alemanha de 1933. Afinal, a irmã dele, Elizabeth Vöster-Nietzsche deu a bengala do filósofo para Hitler quando ele visitou-a em Weimar em 1932. Para ela, aquele presente foi um símbolo que representou a transmissão de uma missão! Do teórico ao prático. Do filósofo que passara os seus últimos anos de vida alienado e entrevado ao homem de ação.

As Teorias Racistas:
Gobineau e Chamberlain
A origem dos preconceitos raciais se perdem nos tempos. Modernamente, porém, o racismo adquiriu relevância teórica com a obra de José Arthur, o conde Gobineau - Ensaio sobre a desigualdade da raça humana (Essai sur l'inégalité des races humaines), de 1853-5, considerada a bíblia do racismo moderno.

Afirmava ele a superioridade geral da raça branca sobre as outras, e a dos arianos, identificados como os louros de descendência germânica, sobre os demais brancos. Gobineau interpretou a história pelo prisma do conflito de raças e acreditava, por exemplo, que a Revolução Francesa de 1789 foi uma vitória da raça inferior, a de origem celta-romana que ainda sobrevivia na França e que aproveitou a ocasião do assalto à Bastilha para vingar-se dos francos-germanos que, desde o século V, eram a raça dominante no país. Desde então, para Gobineau a França decaíra. No ensaio, o Conde caiu no inteiro agrado do círculo de Wagner, que o jovem professor Nietzsche então freqüentava.
O mais conhecido seguidor e divulgador do ideário racista na Alemanha foi o inglês Houston S.Charmberlain, membro da Sociedade Gobineau e genro de Richard Wagner, que apesar de ser um gênio musical tornara-se um anti-semita fóbico. Chamberlain, que viveu a maior parte do tempo na Alemanha, onde publicou Os fundamentos do Século XIX (Die Grundlagen des Neunzehnten Jahrhunderts) em 1899 - consagrando-se como o verdadeiro "imperador da antropologia alemã" - , defendia a tese de que era inquestionável a superioridade do ser teutônico, louro, alto e dolicocéfalo, sobre todos os demais. Para ele, o homem perfeito, superior, correspondia em geral ao tipo nórdico.

Os alemães, para ele, eram o povo mais bem dotado entre todos os europeus, estando bem mais acima do restante da raça branca. A enorme acolhida que sua obra teve naquela época na Alemanha explica-se por ela ter sido contemporânea ao Império guilhermino, então no seu apogeu. O II Reich alemão, formado em torno da Prússia depois que ela alcançou a vitória na guerra de 1870 contra a França, fez da antiga Germânia a maior potência industrial e militar do mundo de antes da Primeira Guerra Mundial. O livro de Chamberlain, como não poida deixar de ser, inflava de orgulho os alemães ao associar a excepcionalidade do momento em que viviam como resultante de um feliz destino racial, determinado pela própria natureza.

Para ele e para os historiadores racistas que o seguiam, a queda do Império de Roma deveu-se aos romanos terem-se descuidado da manutenção e preservação da sua superioridade racial. Ao se miscigenarem (mistische) com os povos vencidos, inocularem-se com sangue da raças derrotadas, o que os levou a um enfraquecimento genético e à inevitável decadência. Uma política que almejasse o apuro racial era a conseqüência lógica a ser rigorosamente adotada por qualquer povo consciente da sua superioridade étnica que desejasse manter elevada a sua cultura e o seu domínio.

A Responsabilidade das Instituições Científicas
A legislação de eugenia adotada pelos nazistas foi decorrência direta dos estudos feitos pelo Instituto Imperador Guilherme de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (Forchunginstitut Kaiser Wilhelm), e pela Sociedade Alemã de Pesquisa (Deustche Forschungsgemeinschaft, DFG). Os principais responsáveis que forneceram os argumentos médicos e genéticos para a aplicação da eugenia foram o prof. Eugen Fischer, o chefe do departamento de psiquiatria, prof. Ernst Rüdin, e o chefe do departamento de antropologia, prof. von Verschuer. Tanto o instituto como a sociedade de pesquisa eram respeitáveis instituições científicas - internacionalmente consagradas - que orientaram com seu pessoal a política de esterilização, eutanásia e extermínio praticada pelo regime nazista de 1933 a 1945.

A Comunidade Racialmente Pura
Tratava-se segundo os cientistas de fixar-se quem deveria pertencer à comunidade racial (Volksgemeinschaft), composta exclusivamente de alemães sadios e racialmente inatacáveis, eliminado-se a presença de qualquer elemento poluidor (os insanos, os degenerados, os judeus e os ciganos). Para preservá-los em sua pureza, nenhuma possibilidade de confraternização inter-racial seria permitida. A mistische, a mistura racial era vista como uma ameaça possível de degenerar a raça superior. Segundo um dos pesquisadores anti-semitas, o prof. Clauss, havia um impedimento para esses casamentos mistos porque as "almas raciais", a dos arianos e a dos judeus por exemplo, jamais poderiam compreender-se ou afinar-se, mesmo quando nasciam no mesmo país e falavam ou mesmo idioma.

A Divisão da Política da Eugenia
Dividiu-se a política da eugenia em três grande categorias quanto à sua execução:
1) a esterilização (Sterilisirung) foi aplicada a certas classes de gente: nos insanos, nos idiotas, nos imbecis, nos pervertidos e em criminosos habituais;
2) a eutanásia (Gnadentod, a morte sem dor) nos doentes irrecuperáveis de qualquer idade, nos idosos senis, e em alguns casos de demência, por meio de injeções de fenol, nos asilos ou em sanatórios. Depois no transcorrer da guerra simplesmente deixava-os morrer de fome;
3) o extermínio (Endlösung) teve um alcance bem mais amplo. Inicialmente concentrou-se nos menores excepcionais, nas vítimas do mongolismo (quatro mil) que estavam acolhidos em escolas especiais e em sanatórios e que foram gaseados em caminhões adaptados como câmaras da morte, sendo para tanto utilizado o monóxido de carbono. Em seguida foi a vez dos loucos (70.273 por gás e 120 mil de fome), e , por fim, o holocausto dos judeus (seis milhões) e dos ciganos (200 mil), vitimados em massa pela "solução final" (Endlösung). Depois de terem abandonado os fuzilamentos em massa que ocorreram no Leste Europeu, a partir de 1941 eles foram gazeados e incinerados em campos de extermínio espalhados pela Alemanha e principalmente pela Polônia (em Auschwitz matava-se 4.500 ao dia).

Quem tinha direito à vida
As populações dos países ocupados eram divididas em quatro categorias estabelecidas pela Central de Segurança do Reich (Reischssicherheitshauptamt, RuSHA), um braço da poderosa SS (Shutzstaffel), chefiada por Heinrich Himmler.

Na primeira, eram classificados os alemães e seus descendentes; na segunda - os não-alemães; ao terceiro grupo pertenciam as pessoas consideradas aptas para o trabalho; e na quarta - aqueles que eram enviados para o campo de trabalho/extermínio de Auschwitz.

Em dez de dezembro de 1941, com a crescente dificuldade das forças nazistas no seu avanço na URSS, Heinrich Himmler ordenou que uma comissão de médicos viajasse por todos os campos de concentração a fim de eliminar os doentes e os "psicopatas" (em geral, os comunistas) que fossem considerados incapazes para o trabalho. Doravante bastaria ser idoso, doente, judeu, sacerdote, comunista ou social-democrata para ser assassinado.

Os Selecionadores
Os responsáveis pelo extermínio fixaram a partir de nove de março de 1943, uma equipe permanente de "selecionadores" que aguardavam as vítimas nas plataformas das estações ferroviárias, todos portadores de títulos de doutor (*). O trabalho deles era supervisionar os procedimentos de extermínio. Deviam separar os fracos, os doentes, os velhos, bem como as crianças e enviá-los para as câmaras de gás, enquanto um outro grupo, mais jovem e ainda sadio, seria mantido vivo para os trabalhos na infra-estrutura dos campos e nas fábricas que os utilizava como mão-de-obra.

(*) Uma organização médica reivindicou essa função junto ao comando da SS, em vista, segundo ela, dos selecionadores terem que ter formação acadêmica, com extensão em antropologia racial, para, em meio a multidão semita ou não-germânica, que desembarcava nos campos, poderem identificar um ariano puro e salvá-lo da morte certa.


A Política da Morte do Nazismo

A política da eliminação em massa de pessoas, adotada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, foi um fenômeno até então único na história da humanidade. Esse crime porém foi inspirado em várias doutrinas que passavam então por ciência, como o racismo e a eugenia, que tiveram larga difusão e apoio nos países mais adiantados dos anos vinte e trinta.



As Duas Faces da Eugenia

"Seu negrume não surgiu no deserto de Gobi ou na floresta tropical da Amazônia. Originou-se no interior e no cerne da civilização européia. Os gritos dos assassinados ecoaram a pouca distância das universidades; o sadismo aconteceu a uma quadra dos teatros e dos museus (...) Em nossa época, as altas esferas da instrução, da filosofia e da expressão artística converteram-se no cenário para Belsen."George Steiner - Linguagem e Silêncio, 1958


O massacre de grande parte da população judaica da Europa perpetrado pelos nazistas entre 1941-45 ocultou o fato de que a política de extermínio adotada por aquele regime não circunscreveu-se à perseguição anti-semita. Foi muito mais ampla de que se supõe. Tratava-se de um vastíssimo plano de eugenia que englobava outros setores sociais, cujas vidas os nazistas consideravam "indignas de serem vividas" (Lebensuntwertes Leben). Mas a política nazista da eugenia tinha as suas ambigüidades. Ao mesmo tempo em que se praticava a esterilização, a eutanásia e o genocídio, por outro estimulava-se a proliferação da "raça superior", concedendo aos homens selecionados o direito de acasalar-se com várias mulheres, desde que elas fossem de origem ariana.

Quando os soldados alemães ocuparam os países vizinhos, essa prática foi estimulada para que novos seres arianos viessem ao mundo para poder substituir as baixas de guerra que a Alemanha estava sofrendo. As crianças nascidas nessas circunstâncias seriam criadas em orfanatórios especiais (Lebensborn), sob orientação e supervisão do Estado nazista. Nenhum regime político até então havia se inspirado tão fortemente no darwinismo social e numa concepção tão radicalmente biologicista - quase zoológica - como os nazistas o fizeram entre 1933-1945. Assim, a eugenia era tanto o pretexto para a eliminação dos indesejados como para a seleção dos escolhidos.

A Certeza Científica da Eugenia
A política de extermínio não foi um gesto tresloucado e impensado de um bando de fanáticos que ascendera ao poder na Alemanha em 1933. A maioria dos seus agentes (médicos, cientistas, laboratoristas, pesquisadores, antropólogos, legisladores e militantes políticos) estava firmemente convicta do rigor científico das suas ações e dos benefícios que sua adoção traria para a humanidade (ainda que no momento não fossem entendidas). Levaram à prática o que há anos era defendido por pensadores de renome, por revistas científicas e por doutores ilustres de ambos os lados do Atlântico. Todas as teorias de superioridade racial, de anti-semitismo, de seleção da espécie já encontravam-se largamente difundidas, especialmente entre as elites científicas e acadêmicas, bem antes de Adolf Hitler assumir o poder. O Führer do movimento nacional-socialista implementou o que amplos setores científicos daquela época acreditavam ser verdadeiro, firmando assim o primeiro pacto moderno entre a ciência e o crime em massa, entre a pesquisa genética e a tecnologia aplicada à morte coletiva.

O que é a eugenia
É a ciência que estuda as possibilidade de apurar a espécie humana sob o ângulo genético. Decorreu ela quase que inevitavelmente das idéias de Charles Darwin, expostas no seu consagrado livro A Origem das Espécies (On de Origin of the Species), de 1859, a mais popular exposição da teoria da evolução natural. Coube ao seu parente Francis Galton a invenção desta expressão em 1883. O cientista britânico defendia a tese de que a cultura e mesmo o conhecimento eram resultados da transmissão genética e não dos fatores ambientais (ou pelo menos esses tinham bem menos peso). No seu livro a A Hereditariedade do Gênio (Hereditary Genius), de 1869, ele arrolou o histórico familiar de uma série de homens de gênio e outros afamados cientistas para demonstrar que todos descendiam de uma feliz hereditariedade.

Galton e a Sociedade da Eugenia
Em 1907, após ter introduzido a cadeira de eugenia na Universidade de Londres, fundou a The English Eugenics Society, inspiradora da American Eugenics Society, surgida em 1926, que pregava a superioridade dos germânicos sobre os demais integrantes da raça branca.
As conclusões lógicas extraídas da tese de Galton é de que a classe dominante concentrava as melhores qualidades genéticas do que as classes trabalhadoras, fossem urbanas ou rurais. Os socialmente superiores eram os depositários do "tesouro genético" amealhado pela natureza através de séculos de aperfeiçoamento, aprimorado pela seleção natural dos mais aptos. Portanto, a natureza era sábia ao permitir que a regência da sociedade e dos governos fosse feita pelos biologicamente mais dotados.

O Social-Darwinismo
O sucesso das teses de Charles Darwin não se limitaram às ciências naturais. A teoria da evolução e da seleção natural dos mais apto incendiou também a imaginação das ciências sociais e das concepções políticas e ideológicas do seu tempo. Ideólogos de um lado como do outro, nos finais do século XIX e princípios do XX, diziam-se inspirados no autor da seleção das espécies. Enquanto que para os esquerdistas, elas, as teses de Darwin, serviam para desmistificar a religião e a existência de uma ordem hierárquica preestabelecida pelo poder divino, para os direitistas elas tiveram outra aplicação. Tornou-se o chamado social-darwinismo, para eles, um instrumento na luta contra a democracia liberal que, ao pregar o voto universal, igualizava o lobo e o cordeiro. O que não passava de um contra-senso e um atentado à natureza das coisas. E mais, como reclamou o filósofo Nietzsche, à democracia praticavam uma injustiça ao prejudicar os que naturalmente eram superiores, os mais fortes e mais aptos, pois esses eram constrangidos pelos direitos da maioria medíocre. Além disso, recomendavam eles um processo de seleção rigoroso para impedir a procriação de certos elementos nocivos, bem como estimular a multiplicação de outros, aqueles vistos como biologicamente superiores. Para tanto, visando atingir tal fim, era preciso adotar-se uma política centralizada, um dirigismo técnico que gradativamente conseguiria a purificação da raça, melhorando o bem estar geral da humanidade. Na difusão de tais doutrinas dedicaram-se Georges Vacher de Laponge, Madison Grant, Ludwig Gumplowitcz, Otto Ammon e tantos outros mais.

A Eliminação dos Desajustados
O programa social-darwinsita era amplo. Pregava a eliminação dos desajustados, o internamento forçado e a esterilização dos elementos considerados inferiores. A antropometria e a frenologia seriam as ciências auxiliares para ajudar estudar as dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas, ou da dimensão do nariz, permitindo uma verificação científica daqueles traços considerados por eles como indicadores da inferioridade ou da degenerescência biológica.

A moral cristã da tolerância e da caridade para com os fracos era rejeitada. A ética cristã impedia a imposição da política de seleção natural e terminava por prolongar o sofrimento geral da humanidade ao não aceitar a extirpação dos seus galhos estragados ou das suas raízes deformadas. O liberalismo, a democracia o socialismo - com seus discurso a favor da igualdade, fosse econômica fosse político-social - eram formas diversas de atentar contra a lei natural, que sempre atuava, queiramos ou não, pró os mais aptos e mais fortes. Injustiça social era tentar equiparar o forte ao fraco, ou como disse, em outras circunstâncias, o poeta William Blacke: "a mesma lei para o Leão e o Boi é opressão!"

O Super-Homem de Nietzsche

A filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), desde que ele se entusiasmara com a obra de Francis Galton, tornou-se a espiritualização do social-darwinismo e a principal mentora nos meios mais sofisticados da adoção da eugenia. Nietzsche, poeta e pensador alemão, acreditava que no futuro - como expôs no seu poema-manifesto Assim falou Zaratustra (Also spracht Zarathustra), de 1883-92 - o homem (que ainda na sua época era ainda crente, submisso, preso aos valores e às hierarquias tradicionais) deveria necessariamente dar lugar ao super-homem (Übermench). Esse seria um novo "animal político" destituído da moral comum (produto de séculos da ética cristã derivada da idéias do bem e do mal).

Implacável em seus objetivos, distante e altaneiro em relação aos que considera inferiores, o Übermensch era o novo legislador. Totalmente hostil à democracia, cujas leis, ele, em sua arrogância de ser superior, rejeitava, o super-homem aceitava somente as regras feitas por ele mesmo, estando muito acima da moral vulgar das multidões que o cercavam.
A morada dele, desse moderno titã, é o cume elevado das montanhas, onde o ar é rarefeito, reservados aos poucos. As demais pessoas, a gente comum, servem-lhe apenas como degraus para sua ascensão a patamares cada vez mais elevados de aperfeiçoamento e gozo estético. Nietzsche, além de desprezar a democracia, abominava o liberalismo, o socialismo, o feminismo e o cristianismo, vistos como manifestações de debilidade, como expressão de uma vontade majoritária de carneiros, de fracos e de covardes, dos inferiores (Üntermench) enfim.

Síntese das Principais Leis e Decretos da Política da Eugenia
Datas Leis e decretos Objetivos
14/jul/1933 Lei da Profilaxia dos Descendentes com Doenças Genéticas (lei de proteção da hereditariedade) Esterilização à força nos casos de debilidade mental congênita, esquizofrenia, loucura maniaco-depressiva, epilepsia hereditária e alcoolismo grave ( atingiu a 2 milhões de indivíduos)
14/jul/1933 Lei do Subsídio ao Casamento Visava estimular os casamentos "puros" e os nascimentos, subsidiando os casais que tivessem filhos adicionais
15/set/1935 Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã (leis de Nuremberg) Proibição de casamentos mistos, especialmente com judeus, bem como qualquer relacionamento sexual entre alemães e judeus. Os casamentos mistos foram declarados ilegais e os casais obrigados a se separar
1º/set/1939 Autorização para o programa de eutanásia a ser executado pelo Reichleiter Bühler e o dr. Brandt. Autorização para certos médicos para executarem o programa da morte misericordiosa a ser aplicada nos loucos, doentes incuráveis, velhos senis e menores excepcionais ( A pressão da Igreja e do clero fez com que suspendessem o programa)
1941 Lei Contra Estranhos à Comunidade (Projeto do Ministério da Justiça) Médicos decidiriam pela esterilização dos anti-sociais em comum acordo com os oficiais de justiça que fixaram as penas de morte em campo de concentração, calculados os atingidos ao redor de um milhão (lei não aplicada porque os outros ministérios não permitiram)
20/jan/1942 Conferência de Wansee, Berlim, com a participação de todos os ministérios coordenados por Heydrich da SS e SD Oficialização do programa da "solução final" (Endlösung) da questão judaica em campos de extermínio (Vernichtungslager). Estimou-se um genocídio de 10-12 milhões de judeus europeus e de 200-300 mil ciganos (o programa vitimou entre 6 a 6.200 milhões de pessoas, entre 1941-5)

A Nova Raça de Senhores
O mundo do futuro seria controlado pela nova raça de senhores (Herrenvolk) que imporia sua vontade de poder (Wille zur Macht) sobre uma massa submissa, tornada um rebanho (Herde). Dela exigiriam obediência de morte. Somente os fortes teriam "direito à vida", cujos critérios seriam estabelecidos, evidentemente, pelo super-homem. Os demais deveriam ser eliminados. Não eram dignos a ter "direito à existência". O super-homem não teria nenhuma qualidade herdada (sangue nobre por exemplo), sendo reconhecido apenas por sua personalidade de aço, por sua irrevogável determinação e pela entrega total a sua causa, fosse qual fosse a sua linhagem. A sua aristocracia era o caráter - duro, inquebrantável, insensível!

"Algum nunca chega a ficar doce, apodrece já no verão
É a covardia que o mantém dependurado no seu galho
Vive gente em demasia e por tempo demais
fica pendurada no seu galho
Possa vir a trovoada que sacuda da árvore todos esses frutos
podres e bichados!
Possam vir os pregadores da morte rápida
Seriam para mim as verdadeiras trovoadas
e os sacudidores da árvore da vida."

F. Nietzsche - Assim falou Zaratustra, 1885

Nietzsche e o Nazismo
A enorme polêmica que envolve até hoje a real importância do pensamento de Nietzsche para o surgimento do nazismo, ou pelo menos fornecendo-lhe o vocabulário estridente e várias expressões ideológicas, nos obriga a arrolar a evidente similitude do pensamento nietzscheano com o que veio a acontecer depois na Alemanha de 1933. Afinal, a irmã dele, Elizabeth Vöster-Nietzsche deu a bengala do filósofo para Hitler quando ele visitou-a em Weimar em 1932. Para ela, aquele presente foi um símbolo que representou a transmissão de uma missão! Do teórico ao prático. Do filósofo que passara os seus últimos anos de vida alienado e entrevado ao homem de ação.

As Teorias Racistas:
Gobineau e Chamberlain
A origem dos preconceitos raciais se perdem nos tempos. Modernamente, porém, o racismo adquiriu relevância teórica com a obra de José Arthur, o conde Gobineau - Ensaio sobre a desigualdade da raça humana (Essai sur l'inégalité des races humaines), de 1853-5, considerada a bíblia do racismo moderno.

Afirmava ele a superioridade geral da raça branca sobre as outras, e a dos arianos, identificados como os louros de descendência germânica, sobre os demais brancos. Gobineau interpretou a história pelo prisma do conflito de raças e acreditava, por exemplo, que a Revolução Francesa de 1789 foi uma vitória da raça inferior, a de origem celta-romana que ainda sobrevivia na França e que aproveitou a ocasião do assalto à Bastilha para vingar-se dos francos-germanos que, desde o século V, eram a raça dominante no país. Desde então, para Gobineau a França decaíra. No ensaio, o Conde caiu no inteiro agrado do círculo de Wagner, que o jovem professor Nietzsche então freqüentava.
O mais conhecido seguidor e divulgador do ideário racista na Alemanha foi o inglês Houston S.Charmberlain, membro da Sociedade Gobineau e genro de Richard Wagner, que apesar de ser um gênio musical tornara-se um anti-semita fóbico. Chamberlain, que viveu a maior parte do tempo na Alemanha, onde publicou Os fundamentos do Século XIX (Die Grundlagen des Neunzehnten Jahrhunderts) em 1899 - consagrando-se como o verdadeiro "imperador da antropologia alemã" - , defendia a tese de que era inquestionável a superioridade do ser teutônico, louro, alto e dolicocéfalo, sobre todos os demais. Para ele, o homem perfeito, superior, correspondia em geral ao tipo nórdico.

Os alemães, para ele, eram o povo mais bem dotado entre todos os europeus, estando bem mais acima do restante da raça branca. A enorme acolhida que sua obra teve naquela época na Alemanha explica-se por ela ter sido contemporânea ao Império guilhermino, então no seu apogeu. O II Reich alemão, formado em torno da Prússia depois que ela alcançou a vitória na guerra de 1870 contra a França, fez da antiga Germânia a maior potência industrial e militar do mundo de antes da Primeira Guerra Mundial. O livro de Chamberlain, como não poida deixar de ser, inflava de orgulho os alemães ao associar a excepcionalidade do momento em que viviam como resultante de um feliz destino racial, determinado pela própria natureza.

Para ele e para os historiadores racistas que o seguiam, a queda do Império de Roma deveu-se aos romanos terem-se descuidado da manutenção e preservação da sua superioridade racial. Ao se miscigenarem (mistische) com os povos vencidos, inocularem-se com sangue da raças derrotadas, o que os levou a um enfraquecimento genético e à inevitável decadência. Uma política que almejasse o apuro racial era a conseqüência lógica a ser rigorosamente adotada por qualquer povo consciente da sua superioridade étnica que desejasse manter elevada a sua cultura e o seu domínio.

A Responsabilidade das Instituições Científicas
A legislação de eugenia adotada pelos nazistas foi decorrência direta dos estudos feitos pelo Instituto Imperador Guilherme de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (Forchunginstitut Kaiser Wilhelm), e pela Sociedade Alemã de Pesquisa (Deustche Forschungsgemeinschaft, DFG). Os principais responsáveis que forneceram os argumentos médicos e genéticos para a aplicação da eugenia foram o prof. Eugen Fischer, o chefe do departamento de psiquiatria, prof. Ernst Rüdin, e o chefe do departamento de antropologia, prof. von Verschuer. Tanto o instituto como a sociedade de pesquisa eram respeitáveis instituições científicas - internacionalmente consagradas - que orientaram com seu pessoal a política de esterilização, eutanásia e extermínio praticada pelo regime nazista de 1933 a 1945.

A Comunidade Racialmente Pura
Tratava-se segundo os cientistas de fixar-se quem deveria pertencer à comunidade racial (Volksgemeinschaft), composta exclusivamente de alemães sadios e racialmente inatacáveis, eliminado-se a presença de qualquer elemento poluidor (os insanos, os degenerados, os judeus e os ciganos). Para preservá-los em sua pureza, nenhuma possibilidade de confraternização inter-racial seria permitida. A mistische, a mistura racial era vista como uma ameaça possível de degenerar a raça superior. Segundo um dos pesquisadores anti-semitas, o prof. Clauss, havia um impedimento para esses casamentos mistos porque as "almas raciais", a dos arianos e a dos judeus por exemplo, jamais poderiam compreender-se ou afinar-se, mesmo quando nasciam no mesmo país e falavam ou mesmo idioma.

A Divisão da Política da Eugenia
Dividiu-se a política da eugenia em três grande categorias quanto à sua execução:
1) a esterilização (Sterilisirung) foi aplicada a certas classes de gente: nos insanos, nos idiotas, nos imbecis, nos pervertidos e em criminosos habituais;
2) a eutanásia (Gnadentod, a morte sem dor) nos doentes irrecuperáveis de qualquer idade, nos idosos senis, e em alguns casos de demência, por meio de injeções de fenol, nos asilos ou em sanatórios. Depois no transcorrer da guerra simplesmente deixava-os morrer de fome;
3) o extermínio (Endlösung) teve um alcance bem mais amplo. Inicialmente concentrou-se nos menores excepcionais, nas vítimas do mongolismo (quatro mil) que estavam acolhidos em escolas especiais e em sanatórios e que foram gaseados em caminhões adaptados como câmaras da morte, sendo para tanto utilizado o monóxido de carbono. Em seguida foi a vez dos loucos (70.273 por gás e 120 mil de fome), e , por fim, o holocausto dos judeus (seis milhões) e dos ciganos (200 mil), vitimados em massa pela "solução final" (Endlösung). Depois de terem abandonado os fuzilamentos em massa que ocorreram no Leste Europeu, a partir de 1941 eles foram gazeados e incinerados em campos de extermínio espalhados pela Alemanha e principalmente pela Polônia (em Auschwitz matava-se 4.500 ao dia).

Quem tinha direito à vida
As populações dos países ocupados eram divididas em quatro categorias estabelecidas pela Central de Segurança do Reich (Reischssicherheitshauptamt, RuSHA), um braço da poderosa SS (Shutzstaffel), chefiada por Heinrich Himmler.

Na primeira, eram classificados os alemães e seus descendentes; na segunda - os não-alemães; ao terceiro grupo pertenciam as pessoas consideradas aptas para o trabalho; e na quarta - aqueles que eram enviados para o campo de trabalho/extermínio de Auschwitz.

Em dez de dezembro de 1941, com a crescente dificuldade das forças nazistas no seu avanço na URSS, Heinrich Himmler ordenou que uma comissão de médicos viajasse por todos os campos de concentração a fim de eliminar os doentes e os "psicopatas" (em geral, os comunistas) que fossem considerados incapazes para o trabalho. Doravante bastaria ser idoso, doente, judeu, sacerdote, comunista ou social-democrata para ser assassinado.

Os Selecionadores
Os responsáveis pelo extermínio fixaram a partir de nove de março de 1943, uma equipe permanente de "selecionadores" que aguardavam as vítimas nas plataformas das estações ferroviárias, todos portadores de títulos de doutor (*). O trabalho deles era supervisionar os procedimentos de extermínio. Deviam separar os fracos, os doentes, os velhos, bem como as crianças e enviá-los para as câmaras de gás, enquanto um outro grupo, mais jovem e ainda sadio, seria mantido vivo para os trabalhos na infra-estrutura dos campos e nas fábricas que os utilizava como mão-de-obra.

(*) Uma organização médica reivindicou essa função junto ao comando da SS, em vista, segundo ela, dos selecionadores terem que ter formação acadêmica, com extensão em antropologia racial, para, em meio a multidão semita ou não-germânica, que desembarcava nos campos, poderem identificar um ariano puro e salvá-lo da morte certa.


A Política da Morte do Nazismo

A política da eliminação em massa de pessoas, adotada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, foi um fenômeno até então único na história da humanidade. Esse crime porém foi inspirado em várias doutrinas que passavam então por ciência, como o racismo e a eugenia, que tiveram larga difusão e apoio nos países mais adiantados dos anos vinte e trinta.



As Duas Faces da Eugenia

"Seu negrume não surgiu no deserto de Gobi ou na floresta tropical da Amazônia. Originou-se no interior e no cerne da civilização européia. Os gritos dos assassinados ecoaram a pouca distância das universidades; o sadismo aconteceu a uma quadra dos teatros e dos museus (...) Em nossa época, as altas esferas da instrução, da filosofia e da expressão artística converteram-se no cenário para Belsen."George Steiner - Linguagem e Silêncio, 1958


O massacre de grande parte da população judaica da Europa perpetrado pelos nazistas entre 1941-45 ocultou o fato de que a política de extermínio adotada por aquele regime não circunscreveu-se à perseguição anti-semita. Foi muito mais ampla de que se supõe. Tratava-se de um vastíssimo plano de eugenia que englobava outros setores sociais, cujas vidas os nazistas consideravam "indignas de serem vividas" (Lebensuntwertes Leben). Mas a política nazista da eugenia tinha as suas ambigüidades. Ao mesmo tempo em que se praticava a esterilização, a eutanásia e o genocídio, por outro estimulava-se a proliferação da "raça superior", concedendo aos homens selecionados o direito de acasalar-se com várias mulheres, desde que elas fossem de origem ariana.

Quando os soldados alemães ocuparam os países vizinhos, essa prática foi estimulada para que novos seres arianos viessem ao mundo para poder substituir as baixas de guerra que a Alemanha estava sofrendo. As crianças nascidas nessas circunstâncias seriam criadas em orfanatórios especiais (Lebensborn), sob orientação e supervisão do Estado nazista. Nenhum regime político até então havia se inspirado tão fortemente no darwinismo social e numa concepção tão radicalmente biologicista - quase zoológica - como os nazistas o fizeram entre 1933-1945. Assim, a eugenia era tanto o pretexto para a eliminação dos indesejados como para a seleção dos escolhidos.

A Certeza Científica da Eugenia
A política de extermínio não foi um gesto tresloucado e impensado de um bando de fanáticos que ascendera ao poder na Alemanha em 1933. A maioria dos seus agentes (médicos, cientistas, laboratoristas, pesquisadores, antropólogos, legisladores e militantes políticos) estava firmemente convicta do rigor científico das suas ações e dos benefícios que sua adoção traria para a humanidade (ainda que no momento não fossem entendidas). Levaram à prática o que há anos era defendido por pensadores de renome, por revistas científicas e por doutores ilustres de ambos os lados do Atlântico. Todas as teorias de superioridade racial, de anti-semitismo, de seleção da espécie já encontravam-se largamente difundidas, especialmente entre as elites científicas e acadêmicas, bem antes de Adolf Hitler assumir o poder. O Führer do movimento nacional-socialista implementou o que amplos setores científicos daquela época acreditavam ser verdadeiro, firmando assim o primeiro pacto moderno entre a ciência e o crime em massa, entre a pesquisa genética e a tecnologia aplicada à morte coletiva.

O que é a eugenia
É a ciência que estuda as possibilidade de apurar a espécie humana sob o ângulo genético. Decorreu ela quase que inevitavelmente das idéias de Charles Darwin, expostas no seu consagrado livro A Origem das Espécies (On de Origin of the Species), de 1859, a mais popular exposição da teoria da evolução natural. Coube ao seu parente Francis Galton a invenção desta expressão em 1883. O cientista britânico defendia a tese de que a cultura e mesmo o conhecimento eram resultados da transmissão genética e não dos fatores ambientais (ou pelo menos esses tinham bem menos peso). No seu livro a A Hereditariedade do Gênio (Hereditary Genius), de 1869, ele arrolou o histórico familiar de uma série de homens de gênio e outros afamados cientistas para demonstrar que todos descendiam de uma feliz hereditariedade.

Galton e a Sociedade da Eugenia
Em 1907, após ter introduzido a cadeira de eugenia na Universidade de Londres, fundou a The English Eugenics Society, inspiradora da American Eugenics Society, surgida em 1926, que pregava a superioridade dos germânicos sobre os demais integrantes da raça branca.
As conclusões lógicas extraídas da tese de Galton é de que a classe dominante concentrava as melhores qualidades genéticas do que as classes trabalhadoras, fossem urbanas ou rurais. Os socialmente superiores eram os depositários do "tesouro genético" amealhado pela natureza através de séculos de aperfeiçoamento, aprimorado pela seleção natural dos mais aptos. Portanto, a natureza era sábia ao permitir que a regência da sociedade e dos governos fosse feita pelos biologicamente mais dotados.

O Social-Darwinismo
O sucesso das teses de Charles Darwin não se limitaram às ciências naturais. A teoria da evolução e da seleção natural dos mais apto incendiou também a imaginação das ciências sociais e das concepções políticas e ideológicas do seu tempo. Ideólogos de um lado como do outro, nos finais do século XIX e princípios do XX, diziam-se inspirados no autor da seleção das espécies. Enquanto que para os esquerdistas, elas, as teses de Darwin, serviam para desmistificar a religião e a existência de uma ordem hierárquica preestabelecida pelo poder divino, para os direitistas elas tiveram outra aplicação. Tornou-se o chamado social-darwinismo, para eles, um instrumento na luta contra a democracia liberal que, ao pregar o voto universal, igualizava o lobo e o cordeiro. O que não passava de um contra-senso e um atentado à natureza das coisas. E mais, como reclamou o filósofo Nietzsche, à democracia praticavam uma injustiça ao prejudicar os que naturalmente eram superiores, os mais fortes e mais aptos, pois esses eram constrangidos pelos direitos da maioria medíocre. Além disso, recomendavam eles um processo de seleção rigoroso para impedir a procriação de certos elementos nocivos, bem como estimular a multiplicação de outros, aqueles vistos como biologicamente superiores. Para tanto, visando atingir tal fim, era preciso adotar-se uma política centralizada, um dirigismo técnico que gradativamente conseguiria a purificação da raça, melhorando o bem estar geral da humanidade. Na difusão de tais doutrinas dedicaram-se Georges Vacher de Laponge, Madison Grant, Ludwig Gumplowitcz, Otto Ammon e tantos outros mais.

A Eliminação dos Desajustados
O programa social-darwinsita era amplo. Pregava a eliminação dos desajustados, o internamento forçado e a esterilização dos elementos considerados inferiores. A antropometria e a frenologia seriam as ciências auxiliares para ajudar estudar as dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas, ou da dimensão do nariz, permitindo uma verificação científica daqueles traços considerados por eles como indicadores da inferioridade ou da degenerescência biológica.

A moral cristã da tolerância e da caridade para com os fracos era rejeitada. A ética cristã impedia a imposição da política de seleção natural e terminava por prolongar o sofrimento geral da humanidade ao não aceitar a extirpação dos seus galhos estragados ou das suas raízes deformadas. O liberalismo, a democracia o socialismo - com seus discurso a favor da igualdade, fosse econômica fosse político-social - eram formas diversas de atentar contra a lei natural, que sempre atuava, queiramos ou não, pró os mais aptos e mais fortes. Injustiça social era tentar equiparar o forte ao fraco, ou como disse, em outras circunstâncias, o poeta William Blacke: "a mesma lei para o Leão e o Boi é opressão!"

O Super-Homem de Nietzsche

A filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), desde que ele se entusiasmara com a obra de Francis Galton, tornou-se a espiritualização do social-darwinismo e a principal mentora nos meios mais sofisticados da adoção da eugenia. Nietzsche, poeta e pensador alemão, acreditava que no futuro - como expôs no seu poema-manifesto Assim falou Zaratustra (Also spracht Zarathustra), de 1883-92 - o homem (que ainda na sua época era ainda crente, submisso, preso aos valores e às hierarquias tradicionais) deveria necessariamente dar lugar ao super-homem (Übermench). Esse seria um novo "animal político" destituído da moral comum (produto de séculos da ética cristã derivada da idéias do bem e do mal).

Implacável em seus objetivos, distante e altaneiro em relação aos que considera inferiores, o Übermensch era o novo legislador. Totalmente hostil à democracia, cujas leis, ele, em sua arrogância de ser superior, rejeitava, o super-homem aceitava somente as regras feitas por ele mesmo, estando muito acima da moral vulgar das multidões que o cercavam.
A morada dele, desse moderno titã, é o cume elevado das montanhas, onde o ar é rarefeito, reservados aos poucos. As demais pessoas, a gente comum, servem-lhe apenas como degraus para sua ascensão a patamares cada vez mais elevados de aperfeiçoamento e gozo estético. Nietzsche, além de desprezar a democracia, abominava o liberalismo, o socialismo, o feminismo e o cristianismo, vistos como manifestações de debilidade, como expressão de uma vontade majoritária de carneiros, de fracos e de covardes, dos inferiores (Üntermench) enfim.

Síntese das Principais Leis e Decretos da Política da Eugenia
Datas Leis e decretos Objetivos
14/jul/1933 Lei da Profilaxia dos Descendentes com Doenças Genéticas (lei de proteção da hereditariedade) Esterilização à força nos casos de debilidade mental congênita, esquizofrenia, loucura maniaco-depressiva, epilepsia hereditária e alcoolismo grave ( atingiu a 2 milhões de indivíduos)
14/jul/1933 Lei do Subsídio ao Casamento Visava estimular os casamentos "puros" e os nascimentos, subsidiando os casais que tivessem filhos adicionais
15/set/1935 Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã (leis de Nuremberg) Proibição de casamentos mistos, especialmente com judeus, bem como qualquer relacionamento sexual entre alemães e judeus. Os casamentos mistos foram declarados ilegais e os casais obrigados a se separar
1º/set/1939 Autorização para o programa de eutanásia a ser executado pelo Reichleiter Bühler e o dr. Brandt. Autorização para certos médicos para executarem o programa da morte misericordiosa a ser aplicada nos loucos, doentes incuráveis, velhos senis e menores excepcionais ( A pressão da Igreja e do clero fez com que suspendessem o programa)
1941 Lei Contra Estranhos à Comunidade (Projeto do Ministério da Justiça) Médicos decidiriam pela esterilização dos anti-sociais em comum acordo com os oficiais de justiça que fixaram as penas de morte em campo de concentração, calculados os atingidos ao redor de um milhão (lei não aplicada porque os outros ministérios não permitiram)
20/jan/1942 Conferência de Wansee, Berlim, com a participação de todos os ministérios coordenados por Heydrich da SS e SD Oficialização do programa da "solução final" (Endlösung) da questão judaica em campos de extermínio (Vernichtungslager). Estimou-se um genocídio de 10-12 milhões de judeus europeus e de 200-300 mil ciganos (o programa vitimou entre 6 a 6.200 milhões de pessoas, entre 1941-5)

A Nova Raça de Senhores
O mundo do futuro seria controlado pela nova raça de senhores (Herrenvolk) que imporia sua vontade de poder (Wille zur Macht) sobre uma massa submissa, tornada um rebanho (Herde). Dela exigiriam obediência de morte. Somente os fortes teriam "direito à vida", cujos critérios seriam estabelecidos, evidentemente, pelo super-homem. Os demais deveriam ser eliminados. Não eram dignos a ter "direito à existência". O super-homem não teria nenhuma qualidade herdada (sangue nobre por exemplo), sendo reconhecido apenas por sua personalidade de aço, por sua irrevogável determinação e pela entrega total a sua causa, fosse qual fosse a sua linhagem. A sua aristocracia era o caráter - duro, inquebrantável, insensível!

"Algum nunca chega a ficar doce, apodrece já no verão
É a covardia que o mantém dependurado no seu galho
Vive gente em demasia e por tempo demais
fica pendurada no seu galho
Possa vir a trovoada que sacuda da árvore todos esses frutos
podres e bichados!
Possam vir os pregadores da morte rápida
Seriam para mim as verdadeiras trovoadas
e os sacudidores da árvore da vida."

F. Nietzsche - Assim falou Zaratustra, 1885

Nietzsche e o Nazismo
A enorme polêmica que envolve até hoje a real importância do pensamento de Nietzsche para o surgimento do nazismo, ou pelo menos fornecendo-lhe o vocabulário estridente e várias expressões ideológicas, nos obriga a arrolar a evidente similitude do pensamento nietzscheano com o que veio a acontecer depois na Alemanha de 1933. Afinal, a irmã dele, Elizabeth Vöster-Nietzsche deu a bengala do filósofo para Hitler quando ele visitou-a em Weimar em 1932. Para ela, aquele presente foi um símbolo que representou a transmissão de uma missão! Do teórico ao prático. Do filósofo que passara os seus últimos anos de vida alienado e entrevado ao homem de ação.

As Teorias Racistas:
Gobineau e Chamberlain
A origem dos preconceitos raciais se perdem nos tempos. Modernamente, porém, o racismo adquiriu relevância teórica com a obra de José Arthur, o conde Gobineau - Ensaio sobre a desigualdade da raça humana (Essai sur l'inégalité des races humaines), de 1853-5, considerada a bíblia do racismo moderno.

Afirmava ele a superioridade geral da raça branca sobre as outras, e a dos arianos, identificados como os louros de descendência germânica, sobre os demais brancos. Gobineau interpretou a história pelo prisma do conflito de raças e acreditava, por exemplo, que a Revolução Francesa de 1789 foi uma vitória da raça inferior, a de origem celta-romana que ainda sobrevivia na França e que aproveitou a ocasião do assalto à Bastilha para vingar-se dos francos-germanos que, desde o século V, eram a raça dominante no país. Desde então, para Gobineau a França decaíra. No ensaio, o Conde caiu no inteiro agrado do círculo de Wagner, que o jovem professor Nietzsche então freqüentava.
O mais conhecido seguidor e divulgador do ideário racista na Alemanha foi o inglês Houston S.Charmberlain, membro da Sociedade Gobineau e genro de Richard Wagner, que apesar de ser um gênio musical tornara-se um anti-semita fóbico. Chamberlain, que viveu a maior parte do tempo na Alemanha, onde publicou Os fundamentos do Século XIX (Die Grundlagen des Neunzehnten Jahrhunderts) em 1899 - consagrando-se como o verdadeiro "imperador da antropologia alemã" - , defendia a tese de que era inquestionável a superioridade do ser teutônico, louro, alto e dolicocéfalo, sobre todos os demais. Para ele, o homem perfeito, superior, correspondia em geral ao tipo nórdico.

Os alemães, para ele, eram o povo mais bem dotado entre todos os europeus, estando bem mais acima do restante da raça branca. A enorme acolhida que sua obra teve naquela época na Alemanha explica-se por ela ter sido contemporânea ao Império guilhermino, então no seu apogeu. O II Reich alemão, formado em torno da Prússia depois que ela alcançou a vitória na guerra de 1870 contra a França, fez da antiga Germânia a maior potência industrial e militar do mundo de antes da Primeira Guerra Mundial. O livro de Chamberlain, como não poida deixar de ser, inflava de orgulho os alemães ao associar a excepcionalidade do momento em que viviam como resultante de um feliz destino racial, determinado pela própria natureza.

Para ele e para os historiadores racistas que o seguiam, a queda do Império de Roma deveu-se aos romanos terem-se descuidado da manutenção e preservação da sua superioridade racial. Ao se miscigenarem (mistische) com os povos vencidos, inocularem-se com sangue da raças derrotadas, o que os levou a um enfraquecimento genético e à inevitável decadência. Uma política que almejasse o apuro racial era a conseqüência lógica a ser rigorosamente adotada por qualquer povo consciente da sua superioridade étnica que desejasse manter elevada a sua cultura e o seu domínio.

A Responsabilidade das Instituições Científicas
A legislação de eugenia adotada pelos nazistas foi decorrência direta dos estudos feitos pelo Instituto Imperador Guilherme de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (Forchunginstitut Kaiser Wilhelm), e pela Sociedade Alemã de Pesquisa (Deustche Forschungsgemeinschaft, DFG). Os principais responsáveis que forneceram os argumentos médicos e genéticos para a aplicação da eugenia foram o prof. Eugen Fischer, o chefe do departamento de psiquiatria, prof. Ernst Rüdin, e o chefe do departamento de antropologia, prof. von Verschuer. Tanto o instituto como a sociedade de pesquisa eram respeitáveis instituições científicas - internacionalmente consagradas - que orientaram com seu pessoal a política de esterilização, eutanásia e extermínio praticada pelo regime nazista de 1933 a 1945.

A Comunidade Racialmente Pura
Tratava-se segundo os cientistas de fixar-se quem deveria pertencer à comunidade racial (Volksgemeinschaft), composta exclusivamente de alemães sadios e racialmente inatacáveis, eliminado-se a presença de qualquer elemento poluidor (os insanos, os degenerados, os judeus e os ciganos). Para preservá-los em sua pureza, nenhuma possibilidade de confraternização inter-racial seria permitida. A mistische, a mistura racial era vista como uma ameaça possível de degenerar a raça superior. Segundo um dos pesquisadores anti-semitas, o prof. Clauss, havia um impedimento para esses casamentos mistos porque as "almas raciais", a dos arianos e a dos judeus por exemplo, jamais poderiam compreender-se ou afinar-se, mesmo quando nasciam no mesmo país e falavam ou mesmo idioma.

A Divisão da Política da Eugenia
Dividiu-se a política da eugenia em três grande categorias quanto à sua execução:
1) a esterilização (Sterilisirung) foi aplicada a certas classes de gente: nos insanos, nos idiotas, nos imbecis, nos pervertidos e em criminosos habituais;
2) a eutanásia (Gnadentod, a morte sem dor) nos doentes irrecuperáveis de qualquer idade, nos idosos senis, e em alguns casos de demência, por meio de injeções de fenol, nos asilos ou em sanatórios. Depois no transcorrer da guerra simplesmente deixava-os morrer de fome;
3) o extermínio (Endlösung) teve um alcance bem mais amplo. Inicialmente concentrou-se nos menores excepcionais, nas vítimas do mongolismo (quatro mil) que estavam acolhidos em escolas especiais e em sanatórios e que foram gaseados em caminhões adaptados como câmaras da morte, sendo para tanto utilizado o monóxido de carbono. Em seguida foi a vez dos loucos (70.273 por gás e 120 mil de fome), e , por fim, o holocausto dos judeus (seis milhões) e dos ciganos (200 mil), vitimados em massa pela "solução final" (Endlösung). Depois de terem abandonado os fuzilamentos em massa que ocorreram no Leste Europeu, a partir de 1941 eles foram gazeados e incinerados em campos de extermínio espalhados pela Alemanha e principalmente pela Polônia (em Auschwitz matava-se 4.500 ao dia).

Quem tinha direito à vida
As populações dos países ocupados eram divididas em quatro categorias estabelecidas pela Central de Segurança do Reich (Reischssicherheitshauptamt, RuSHA), um braço da poderosa SS (Shutzstaffel), chefiada por Heinrich Himmler.

Na primeira, eram classificados os alemães e seus descendentes; na segunda - os não-alemães; ao terceiro grupo pertenciam as pessoas consideradas aptas para o trabalho; e na quarta - aqueles que eram enviados para o campo de trabalho/extermínio de Auschwitz.

Em dez de dezembro de 1941, com a crescente dificuldade das forças nazistas no seu avanço na URSS, Heinrich Himmler ordenou que uma comissão de médicos viajasse por todos os campos de concentração a fim de eliminar os doentes e os "psicopatas" (em geral, os comunistas) que fossem considerados incapazes para o trabalho. Doravante bastaria ser idoso, doente, judeu, sacerdote, comunista ou social-democrata para ser assassinado.

Os Selecionadores
Os responsáveis pelo extermínio fixaram a partir de nove de março de 1943, uma equipe permanente de "selecionadores" que aguardavam as vítimas nas plataformas das estações ferroviárias, todos portadores de títulos de doutor (*). O trabalho deles era supervisionar os procedimentos de extermínio. Deviam separar os fracos, os doentes, os velhos, bem como as crianças e enviá-los para as câmaras de gás, enquanto um outro grupo, mais jovem e ainda sadio, seria mantido vivo para os trabalhos na infra-estrutura dos campos e nas fábricas que os utilizava como mão-de-obra.

(*) Uma organização médica reivindicou essa função junto ao comando da SS, em vista, segundo ela, dos selecionadores terem que ter formação acadêmica, com extensão em antropologia racial, para, em meio a multidão semita ou não-germânica, que desembarcava nos campos, poderem identificar um ariano puro e salvá-lo da morte certa.